22 de dezembro de 2008

De tudo o que restou, muito mais me falta.

De tudo o que restou, muito mais me falta.

(Roseli Broering)

Eu não sei exatamente há quantos anos, mas penso que uns 29 ou 30. Nesse passado esquecido por números de mim, casou-se um de meus irmãos. Era um sábado frio e de fortes ventos. Lembro-me que, com muita dificuldade financeira, fomos, eu e minha mãe, ao salão de beleza. Meus cabelos eram compridos e foram, pasmem! , desarrumados, desalinhados. Essas sensações que me vêm de repente são mesmo esquisitas. Se fecho meus olhos, vejo-me lá e sinto meus cabelos voando, esticados e pesados, feios. Mas, como admirava a noiva! Era uma miniatura de mulher, batia abaixo de meus ombros e estava iluminada. Meu irmão num terno azul-marinho, esbanjava alegria. Casamento em casa, como foram todos os de nossa família. Os convites traziam: “Após a cerimônia religiosa, os convidados serão recepcionados na residência dos pais da noiva.” Aquilo era lindo de ler. Não havia pompas nem grandes decoradores. A simplicidade era a lei e os sonhos que passavam a pertencem a todas as moças, eram também meus. Um dia também me casaria, teria o meu convite, noivinhos em cima do bolo, um vestido branco e um véu longo com gotinhas de cristal, preso a uma grinalda linda. Muitas damas e pagens igualmente sonhava, alegrias e sorrisos fartos ante a nova vida que estava, em algum lugar, por vir. Tudo isso eu pensava enquanto admirava as alianças de meu irmão e minha cunhada, sua circularidade – o “para sempre” que eu ouvira deles diante do padre.
Naquele tempo já estava registrada em mim a marca da mulher que, em sua costumeira solidão, pensava e refletia, pois esses são verbos de infinitas significações. A vida passa tão depressa, hoje eu sei. Nem me atrevo – para não sofrer talvez – contar aqui o que foi feito de todas as promessas daquele dia proferidas pelos noivos e testemunhadas por nós, por mim também no meu silêncio observador.. os mesmo olhos que se prometeram brilhar na mesma direção para sempre, acenderam-se depois em outros rumos. Promete-se diante da platéia e convida-se para a festa sentimentos e ações que nem sempre se consegue cumprir, essa é a verdade. Como ninguém conhece o futuro, nada se deve prometer, jamais, sob pena de sermos nós, os prometedores, os que mais sofreremos pois a vida está aí para quebrar as regras que nós mesmo criamos para ver os olhos dos que amamos brilharem. Tolas ilusões. O jogo é perigoso e ninguém nos indica quais as armadilhas estão armadas, nem onde. Os amantes embarcam na canoa furada conduzida pela vida – disfarçada motorista de quepe e divisas, com chifres invisíveis.
Também eu, no meu tempo casei-me. Lembro do gosto do bolo. Não houveram noivinhos, era um laço de fitas delicado e bonito, cor-de-rosa. Cortei-o auxiliada pelo homem amado e posso afirmar que aqueles sorrisos que ficaram lacrados no papel fotográfico eram mesmo nossos, e verdadeiros! Foi o bolo mais bonito da minha vida. Porém nem só de confeitos sobrevivem os casamentos ou perpetuam-se os sonhos. Fomos os noivos – as fotografias não mentem – e também tivemos nossas alianças que se perderam ao ficarem, juntas, guardadas no cofre. Estranho: perdeu-se o objeto ao ser guardado com chave e segredo... Promessas, juras, assinaturas, certidões, nada fez com que aquilo que de mais importante havia, permanecesse. Sem o amor, vão-se os sonhos e os objetivos partem-se.
Hoje, mais de 25 anos depois, ainda guardo o vestido, a grinalda amassada, os buquês das damas. Uma colher de pau quebrada, alguns sobreviventes pratos do jogo de jantar porcelanado, travessas que o tempo não consumiu, as fotografias num álbum amarelado. Guardo também a lembrança dos rostos que ali estavam com seus olhares a nos abraçar e que a morte já levou – meu pai, minha avó, alguns tios – silêncios presentes para sempre. Também mutilo a cada dia o que sobrou de nós, que estamos vivos hipocritamente a agradecer ao que sobrou. De tudo o que restou, muito mais me falta: os abraços que deixamos de trocar, as promessas não cumpridas, as ofensas vividas e caladas, as certezas mentirosas de que tudo algum dia podia melhorar. De tudo o que restou, muito mais é nada, nada. São rugas e cabelos brancos, amarguras e mágoas tantas que papéis e canetas jamais serão suficientes para que o registro acabe. Ficaram as sensações e elas são minhas. Outras vezes, em vão, tentei amar nem que fosse só pelo amor em si, sentimento tão completo, tão uno e complexo que movimenta nervos, sangue e as próprias palpitações de nossa vida. Também não obtive sucesso. Mais mágoas vieram, outras separações e a indescritível sensação horrível de ter tentado de novo e errado outra vez!
Não ouso mais perguntar a ninguém a porção de dor que poderia ser dividida comigo. Dores que se tenta partir, são somadas, isso sim, quanto mais mexemos nelas, mais nos sangram. Atira um torrão de terra, leitor, na água aparentemente límpida com lodo no fundo para ver o que acontece... Meu irmão, minha cunhada, eu e meus amores somos águas paradas. Deixai-nos quietos. O lodo de minha solidão merece ficar em seu lugar, estagnado. No fundo. Na superfície, quero ser água mansa, límpida, talvez para ser nova a cada dia.
Sempre que ouvir tocar a “Ave Maria” em latim, vou chorar e, paradoxalmente, esse choro bonito e emocionado é meu mais cruel pesadelo real, pois vive lá dentro, onde a solidão faz morada e, nessa casa, dessa moradia, só quem conhece os recantos sou eu.

Até o ano que vem!

25 de novembro de 2008

“A grande dor das coisas que passaram”

Escrever em momentos em que sentimos dor pode ser uma grande fonte catártica. Em outras palavras, pode ser “soltar os bichos”, mandar para fora o que é ruim, expulsar demônios ou, uma simples necessidade.
É assim para quem tem dentro de si a inquilina de todos os intervalos: a palavra. Escrever para lembrar ou para esquecer, pouco importa. Creio que se assim não fosse, não existiria a literatura, não haveríamos de ter os imortais que nos livros deixaram seus sentimentos ou maiores ficções compondo a história de tantos seres de papel com os quais contracenamos por aí, nas leituras.
Quando um relacionamento termina, por exemplo, escreve-se. Dos poemas mais ultrapassados às cartas que jamais chegam ao destinatário. Nos guardanapos daquele restaurante em que íamos juntos ou na areia da praia, na janela embaçada dos dias de chuva que não cessam porque a alma está chorando. Com a chegada da Internet, os e-mails servem para dar vazão à palavras de saudade, de consolo, força, às vezes até de raiva. Nos orkuts, vê-se o perfil através da frase escolhida para o dia ou no ícone “relacionamento”. As fotografias do casal desaparecem em questão de um clik e ,dessa forma, mostra-se a uma boa parte do mundo, publicamente, que aqueles dois que até ontem se amavam e expunham as mais belas cenas, separaram-se. O amor acabou.
Um álbum de fotografias, quer seja real ou virtual, é composto somente de momentos bons. É por isso que choramos diante das imagens ali lacradas. Beijos, abraços, sorrisos, desprendimento, caretas bem humoradas, tudo estava ali guardado. Como o próprio nome diz, um álbum de r e c o r d a ç õ e s. É isso: serve para que recordemos aquilo que não poderá ser mais vivido. Uma fotografia é a prova de que existimos, de que fomos alguém por algum tempo. Nos namoros ou casamentos – e aqui não vejo mais diferença – duas pessoas foram ou trocaram uma mesma vida por um período e quando acaba é que sentimos, como disse Camões “a grande dor das coisas que passaram.” Ninguém fotografa momentos ruins. Ninguém coloca a câmera no timer automático para retratar a raiva que perpassa as pessoas na hora do desentendimento. Não fotografamos separações, lágrimas, corações acelerados, medos, arrependimentos, perda de sono, perda de ânimo – o mesmo que perder um pedacinho da alma.
Ocorre que um relacionamento para sobreviver necessita dos bons e maus instantes, pois deles é constituído. Uma hora ruim aqui é substituída por outras boas ali e assim se vai construindo uma história entre dois seres que mantém muitos sentimentos em comum, que sorriem bastante para o mundo o que choram juntos por ele, que sonham um futuro no qual nem podem apostar – pois até que provem o contrário, nem mesmo o presente existe. Tudo é apenas passado. Pronto. Ou ponto. Mas disso tudo é feita uma vida que, num momento ou noutro, por um motivo terrível ou até sem motivo algum, pode acabar. De repente, ele quer badalar mais, ela quer mais tranqüilidade, ela vai viajar para Portugal para um curso de férias, ele ainda não acabou a faculdade e nessa hora, por um motivo às vezes até banal, acaba. E é para sempre.
Ficaram as fotografias e alguém precisa cuidar delas e olhá-las para não mofarem na gaveta do esquecimento. No começo, são mais vistas (ou choradas) . Com o tempo, até esquecidas, quem sabe, ficarão. Um álbum de fotografias é um documento do luto que precisa também ser experienciado. O fim de um relacionamento é uma morte e como tal requer seu tempo de choro, de sangramento, de adaptações até que a vida mesmo, essa que um dia os aproximou e noutro os separou possa agir de sua forma – desconhecida por nós, mortais – e preparar para essas pessoas outras surpresas, afinal, no quesito amor, todos os seres são iguais.
Cuidemos de nossas fotografias e também de nossas memórias. Elas contarão a história num outro tempo não mais nosso. Podemos até deletar nosso ex-amor do orkut, MSN, fotolog, endereço eletrônico ou sermos apagados ou bloqueados por ele. Podemos nos mudar para a Argentina ou ir chorar no convento de Angelina, podemos tudo o que quisermos. O que não nos é de direito é crer que o mundo acabou e brincar com a saúde, por exemplo. Precisamos voltar a viver, tornarmo-nos outra vez amplos, leves, livres como fomos enviados a este mundo para, então, quem sabe até, encontrarmos uma outra pessoa e começar uma nova história que, como as águas de um rio que não passam duas vezes por baixo da ponte, estejamos e sejamos seres sempre em movimento, prontos e dispostos à renovação.


Roseli Broering

10 de setembro de 2008

E a vida?

Pensar sobre um assunto polêmico já me causa conflitos individuais e intimistas. Assim acontece quando me vem à mente questões como o aborto. Mas, enquanto profissional dos textos, preciso ousar de quando em vez para provocar àqueles que decidirão (?) o futuro da humanidade quando eu já tiver virado adubo para flores.
Assunto polêmico mesmo? Polêmico desde que o mundo é mundo porque o ABORTO se faz desde que o mundo nasceu. Chazinhos, jeitinhos, temperinho nunca faltaram às mulheres – sempre grande conhecedoras da vida – para retirar de si aquela “coisinha inconveniente” que está crescendo na sua barriga.
Os tempos mudaram, as mulheres evoluíram, a Igreja toma, retoma e até cobra posições e ninguém chega a nenhum consenso que possa dar alento às milhares de discussões que são feitas sobre o assunto e aos milhões de reais que são gastos com elas – sim porque para tudo há um custo e , aqui, leia-se que para os abortos mal feitos também há.
No fim das contas quem arca com as despesas é a sociedade. Gente que paga seus impostos em dia, ajuda a bancar a clandestinidade mal feita e mal resolvida. Gente de bem que é a favor da vida, paga a conta do hospital da “coitada” que engravidou sem querer – e de um “coitadinho” que não sabia que ambos podem (e devem!) prevenir – se. Quem comete o ato de abortar, na maioria das vezes se vê em situação de risco.
Se o aborto não dá certo, o governo paga a conta e, de quebra, nós ajudamos com o suor de nossos rostos – do hospital que vai corrigir o erro dos profissionais açougueiros, dos psicólogos que cuidarão das cabecinhas de vento poluídas de remorsos no futuro, dos problemas de saúde que podem vir após o ato. Sim, há os que os defendem piamente com colocações do tipo “Eu tenho o direito de retirar um amontoado de células fracamente ligados que, talvez, apenas talvez, possam “vir a ser” (o que significa que NÃO É) um ser humano.”
Mulheres e suas bruxarias... também desde que o mundo é mundo, desde que a vida é pensada e discutida, vivenciada, experimentada e sentida há as que nasceram para tornarem-se mães e, para essas, o crescimento desse montão de células representa o sagrado. Um filho, a continuidade, e perpetuação da história. A cada uma cabe decidir.
Independente de crenças, que se dê mais valor à vida, à nossa da qual conhecemos todas as dores e amores, mas também a de quem não pode ainda opinar. Filhos de fim de festa, de cachaçada, de lapsos são tão filhos quanto os do amor e da programação de felicidade completa. O amontoado de células já pulsa há menos de um mês de gravidez – feito uma pequenina pulga pulante. Ali está uma vida e talvez esse conceito até pobre, baste!

1 de agosto de 2008

Morre mais quem fica.


Difícil começar uma crônica para falar da morte quando a matéria desse tipo de texto deveria ser a vida, somente a vida com suas surpresas boas e não com a estupidez (aparente ?) que nos pode levar à loucura se nos propusermos pensar nelas.
Há tantas músicas que falam sobre os que vão embora cedo. Legião Urbana tão bem cantou e encantou levando às lágrimas tantos viventes . Sim, digo viventes pois até que nos provem o contrário, os que morreram não choram. Na verdade, morre mais quem fica do que quem vai. Viram anjos, como na música “vai com os anjos, vai em paz...”
Uma vez assisti a uma entrevista com Tonia Carrero em que ela dizia que o ruim de viver muito é ver tanta gente querida partir e ter a sensação de que se vai ficar sozinha. Compartilhei com ela, naquela hora, algumas perdas. Meu pai (faz hoje exatos dezessete anos que ele se foi) , minha avó materna, meus avós paternos que nem conheci, alguns bons amigos, parentes, tios e tias queridas, até crianças ajudei a velar.
Tenho visto alunos, ex-alunos, jovens irem embora. É cedo. E como dói. A tecnologia expande a dor. Os orkuts ficam repletos de recados, de gente jovem também que sofre a partida dos seres queridos que tinham ainda uma vida toda para viver. Tinham? Se tivessem estariam aqui ainda e aqui é bom parar a discussão para que não cheguemos à questões religiosas.
Namoradas, namorados que fizeram juras eternas, mães, irmãos, família que ficou sem explicação, quase sempre sem direito à despedida, a um último sorriso que fosse, todos manifestam-se ali, como se no céu ou em qualquer lugar que haja do outro lado, em cima ou embaixo, houvesse uma página em que os mortos pudessem receber os recados. Sei lá se podem. Sobre isso, de verdade, pouco sei ou imagino. Mas, é fato que morre mesmo é quem fica, eu repito.
Ainda ontem mais um se foi. No Orkut, ele deixara recado para a namorada: “te darei toda a minha vida.” E deu. Sua vida durou dezenove anos. Sua vida foi dela desde o dia em que se apaixonaram. Ele será jovem para sempre. Ela morreu muito mais, no enterro, na saudade que ficou e ficará por muito tempo. Sim, ele marcou sua vida para sempre.
Um acidente de carro, ele, a namorada e a mãe. A mãe em coma, a namorada machucada, ele morreu. Morrerá muito mais a mãe quando souber. Quando acordar desejará que tudo tenha sido um pesadelo. Lágrimas e mais lágrimas derramar-se-ão. Mas desse sonho ruim, ela não acordará.
Quanto a nós, que poderemos fazer? Choramos na morte pelos que ficaram, não por quem se foi. Choramos a dor de quem vimos sofrer, choramos uma saudade antecipada que sabemos irá chegar, essa saudade para a qual não há remédio como irremediável é também a própria morte. Por isso, morre mais quem fica do que quem vai ainda que o destino seja o paraíso, a terra prometida, azul sem fim...
Quantos desejaram dizer hoje para ele aquilo que eu também quis dizer ao meu pai ao vê-lo sem vida: “ Lembro das tardes que passamos juntos /Não é sempre mas eu sei/Que você está bem agora/Só que neste mundo/O verão acabou./Cedo demais!”
Parece não ser justo mas, quem somos nós para julgar? Cada um tem a sua hora? Era cedo, tarde, cumpriu ou não sua missão? Nada disso importa agora porque para mim, que tenho visto tantos irem embora, tudo o que me resta é pensar e repetir sempre que morre mesmo é quem fica.
Quantas vezes ainda terei que morrer até que viva para sempre? Afinal de contas, como diz a música, só “os bons morrem antes”. Minha homenagem e reflexão vai hoje para vocês e “tanta gente que se foi, cedo demais, cedo demais.”

10 de julho de 2008

Homenagem às solteiras resolvidas!


O texto de hoje não é meu – quem dera fosse porque a Martha Medeiros é ótima! Mas, ele vai em homenagem à uma aluna especial que anda cuspindo fogo pelas ventas e a quem seu sei, esse texto vai ajudar muito, NE, Manu? Hahaha...


Beijos a todas a resolvidas, fortes, decididas, perfeitas mulheres do século XXI!


"De tudo o que ele me deu, o melhor foi um pé na bunda" Tati Bernardi


Depois de um bom tempo dizendo que eu era a mulher da vida dele, um belo dia eu recebo um e-mail dizendo "olha, não dá mais".Tá certo que a gente tava quase se matando e que o namoro já tinha acabado mesmo, mas não se termina nenhuma história de amor(e eu ainda o amava muito) com um e-mail, não é mesmo?Liguei pra tentar conversar e terminar tudo decentemente e ele respondeu "mas agora eu to comendo um lanche com amigos".Enfim, fiquei pra morrer algumas semanas até que decidi que precisava ser uma mulher melhor para ele.Quem sabe eu ficando mais bonita, mais equilibrada ou mais inteligente, ele não voltava pra mim?Foi assim que me matriculei simultaneamente numa academia de ginástica, num centro budista e em um curso de cinema. Nos meses que se seguiram eu me tornei dos seres mais malhados, calmos, espiritualizados e cinéfilos do planeta.E sabe o que aconteceu? Nada, absolutamente nada, ele continuou não lembrando que eu existia.Aí achei que isso não podia ficar assim, de jeito nenhum, eu precisava ser ainda melhor pra ele, sim, ele tinha que voltar pra mim de qualquer jeito. Decidi ser uma mulher mais feliz, afinal, quando você é feliz com você mesma, você não põe toda a sua felicidade no outro e tudo fica mais leve? Pra isso, larguei de vez a propaganda, que eu não suportava mais, e resolvi me empenhar na carreira de escritora, participei de várioslivros, terminei meu próprio livro, ganhei novas colunas em revistas, quintupliquei o número de leitores do meu site e nada aconteceu. Mas eu sou taurina com ascendente em áries, lua em gêmeos e filha única.Eu não desisto fácil assim de um amor, e então resolvi que eu tinha que ser uma super ultra mulher para ele , só assim ele voltaria pra mim. Foi então que passei 35 dias na Europa, exclusivamente em minha companhia, conhecendo lugares geniais, controlando meu pânico em estar sozinha e longe de casa, me tornando mais culta e vivida. Voltei de viagem e tchân, tchân, tchân, tchân: nem sinal de vida.Comecei um documentário com um grande amigo, aprendi a fazer strip, cortei meu cabelo 145 vezes, aumentei a terapia, li mais uns 30 livros, ajudei os pobres, rezei pra Santo Antonio umas 1.000 vezes, torrei no sol, fiz milhares de cursos de roteiro, astrologia e história, aprendi a nadar, me apaixonei por praia, comprei todas as roupas mais lindas de Paris.Como última cartada para ser a melhor mulher do planeta, eu resolvi ir morar sozinha. Aluguei um apartamento charmoso, decorei tudo brilhantemente, chamei amigos para a inauguração, servi bom vinho e comidinhas feitas, claro, por mim, que também finalmente aprendi a cozinhar. Resultado disso tudo: silêncio absoluto .O tempo passou, eu continuei acordando e indo dormir todos os dias querendo ser mais feliz para ele, mais bonita para ele, mais mulher para ele. Até que algo sensacional aconteceu. Um belo dia eu acordei tão bonita, tão feliz, tão realizada, tão mulher que eu acabei me tornando mulher demais para ele. Ele quem mesmo?

22 de junho de 2008

Das fomes e vontades da vida.

Eu quero, Eu posso, Eu devo. Estava escrito sempre com um jeito bonito, de uma forma diferente no quarto do meu irmão mais velho. Atrás de porta, na cabeceira da cama de cima do beliche, em todos os seus cadernos.
Não sei se algum dia disse que nasci numa casa de muitos irmãos. Éramos em sete, mais pai e mãe. Um tempo difícil. Máquina de lavar? Computador? Sanduicheira? Máquina de fazer pão? Quem dera... Um forno feito de cimento na rua aonde se assavam mais de dez pães, duas vezes por semana para alimentar tantas bocas com fome de vida, de crescimento, mudanças. Sonhos? Nada doces e sem recheio algum. Eram perspectivas apenas e sobre os quais mal se discutia. Não havia tempo. Havia sim é que se trabalhar, ajudar e cada um fazer sua parte, o que incluía os meninos lavando louça, limpando chão sem esse papinho tosco de “vai virar mocinha”. Passados os anos eu diria que nos virávamos em muito menos tempo que os trinta do programa do domingo, por sinal tão chato e batido que nem vale a pena prosseguir.
Domingos bons eram aqueles: de maionese na mesa, carne assada de panela e arroz novo, tudo saindo fumaça para dar ao dia santo a cara familiar. Depois disso vinha a sobremesa que o pai chamava de “coisa boa”. Hoje, só conseguimos horas assim com muita programação – um mora aqui, outro acolá. A esposa de um não pode, a segunda do outro prefere outras coisas, os sobrinhos se dispersam. Ah, essa vida moderna... perdemos de sorrir e de celebrar o estar juntos, coisa a qual nem dávamos muito valor naqueles tempos distantes em horas, presentes aqui, no coração. O que acaba acontecendo? Todos se vêem mesmo é nos velórios . Mas, graças a Deus, acorrem poucos.
Nesses momentos nostálgicos é que me voltam os cadernos e livros do meu irmão e sua tarefa de querer mais da vida. Era assim: O EU bem grande, uma chave com a ponta voltada para ele e o Quero, Posso e Devo dentro dela. Eu, pequenina e magricela, olhava e nada compreendia. Foi minha mãe quem me explicou: “é uma tática dele para conseguir o que quer. Ele quer, então ele pode e, além disso, é seu dever fazê-lo.”
Eu devia ter uns dez anos e era no quarto dele que eu mais gostava de entrar. Estudioso, via seu livros. Neles, os carimbos de bibliotecas. Ele, o meu irmão, além de sabido, queria, podia , devia. A vida lhe ensinou bem cedo que para se conseguir é necessário pensar positivo. Parece chavão, certo? Mais um clichê, dirão meus alunos, porém, como era sério para ele e ainda o é para muitos, inclusive para mim, que aprendi a lição.
Vai longe o tempo das “coisas boas” na mesa e de termos o pai e a mãe ali conosco, todos juntos, pertinho sem que déssemos valor. Eu cresci, tu cresceste, ele cresceu. Nosso pai se foi e a mãe está tão pequenininha que a gente até já acredita que as pessoas encolhem. (ela era tão grandona quando eu era criança...). Meu irmão mais velho é hoje um cinqüentão super-hiper-mega saudável. Continua sabido, ou melhor, é um sábio que sempre tem boas palavras para dizer de um jeito manso, para não ofender. É, na verdade o que sempre foi: um estrategista. Me orgulho dele. Dos outros também, é claro e não posso mentir que também sinto isso com referências a mim.
Vocês podem até pensar que no final tudo dá certo – mentira! - e que essa crônica tem fins de auto-ajuda. Que nada! É so uma reflexão até um pouco boba de uma mulher que, no meio da noite, reflete e recorda. Para dar certo mesmo, tem que se viver dia após dia, cada dor, cada sorriso, cada dúvida, cada queda, cada lágrima. Para dar certo é preciso suportar larvas e se propor a conhecer borboletas, para dar certo é preciso querer, poder, dever e no final ainda sentar e pensar: será que de fato cheguei? Será que de fato sou alguém? É tão fácil as pessoas pensarem a vida como um final de novela em que tudo o que acontecer será bom. Para saber da vida é preciso navegar nela, embarcar nela e estar disposto a jamais descer. Os abismos existem. Isso é verdade mas, para estar aqui há que se pensar também que fizemos por merecer.
É meu desejo que todos compartilhem a delícia de poder e saber viver cada dia. Sem pieguice de dizer” como se fosse o último”. Ninguém pensa nisso num mundo corrido como o nosso. Mas, sem correrias ou com elas, que as pessoas sempre lembrem que somos a história. Sim, nós somos a história. Somente que já passou dos quarenta talvez consiga entender minhas palavras noturnas e se as escrevo agora é porque acredito que um dia todos os meus leitores chegarão à idade mais madura e talvez essas colocações possam servir a mais gente.
Querer, poder e dever. Quero, posso, devo. EU.
E você, vem comigo?

18 de maio de 2008

“O amor é o milagre da civilização”




Li em algum lugar, não lembro onde e nem sei seu autor que “A idade não nos protege contra o amor. Mas o amor, até certo ponto, protege-nos contra a idade”. Achei inteligente a frase e pus-me – o que não é novidade – e refletir. É fato que um Amor novo deixa a pele de qualquer ser humano mais bonita. Nas damas, o efeito é ainda mais doce. Estamos carecas de ver mulheres de todas as idades contando suas felicidades amorosas em belo tom de voz e cútis, com cabelos mudados e brilhantes e saúde para dar e vender. Quanto aos homens? Bom, alguns até deixam de ser carecas em nome de um novo sentimento, outros remoçam tanto que nem a família o reconhece mais. Os amigos perguntam qual a fórmula secreta e as outras mulheres passam a olhá-lo com muito mais interesse. Mas, um fato é comum sempre: os comentários. – Nossa, como estás bonito(a)! E a resposta é, quase sempre, uma letra de música sertaneja ”... é o amoor !” E é verdade. O amor modifica as pessoas, as faz mais jovens, mais brilhantes e felizes. Os sorrisos ficam mais sinceros, soltos, dá gosto de ver quando alguém está apaixonado e nós, os mais maduros, logo percebemos que há alguma ação do cupido no ar.
Se tudo dará certo ou não, se haverá a mais plena realização, pouco importa. Só o fato de estarmos apaixonados já basta para que o mundo que até ontem estava cor de chumbo passe a ser amarelo com bolinhas azuis, as nuvens se transformem em desenhos maravilhosos e a lua cheia seja vista como nunca - imensa e radiante. O frio vira aconchego e o calor, motivo para curtir o mar que nunca havia sido visto com esses olhos maravilhados, mesmo que o sujeito já tenha 50 anos. É, o amor faz isso e o faz com todos as pessoas, não tem escapatória. Até o mais sisudo dos mortais deixa-se levar por essa febre, essa leveza, esse não sei que que arrebata, arraza, domina e nos deixa com cara de bobos.
Mas vale a pena. Dizem que amar é também sofrer e não sou eu quem vai negar. Entretanto poderíamos arriscar uma modificação na frase: amar é viver e para viver há que se correr riscos. Risco de parecer ridículo, tolo, de ser julgado vulgar ou até imbecil, imoral, ganancioso, sem caráter. Quantos de nós que nos apaixonamos somos observados por olhares atravessados? Hummmm, ela é mais velha do que ele, aí tem... Ah, mas ela é beeemmmm mais nova, certamente gosta é do dinheiro dele. Ah, mas ele é rico, jovem e bonito, com certeza ela já sabia, por isso se insinuou tanto. Oh, lógico, feia do jeito que é, a grana do pai foi que fez com ele a amasse.
E assim, enamorados corações têm que enfrentar e correr os riscos que o amor apresenta. A sociedade aceita umas situações com mais facilidade do que outras . Se o homem é bem mais velho, tudo bem mas, seu contrário ainda escandaliza um bocado. Injusto: coração não tem idade e nem escolhe por quem se apaixona. Coração que ama só sabe de seu sentimento, nada escolhe e em tudo crê apenas para viver pois é para isso, afinal, que estamos aqui. Ou não? Se o “amor não tem idade, está sempre a nascer”, como afirmou Blaise Pascal, que importa quem nasceu primeiro? Alimentemos nossos amores com as matérias de que são feitos: sentimentos, purezas, trocas, encantos, mimos, tremedeiras, friozinhos na barriga. Um pouco de medo, certa dose de ciúmes ou inseguranças são normais e também servem como tempero mas, que o mais importante seja a aceitação de que se amamos é porque estamos vivos, afinal, “O amor é o milagre da civilização” (Stendhal)

13 de maio de 2008

Pra não dizer que não falei Bom Dia!


Não é sempre.
Há dias em que acordamos com tanto sono, tanta letargia que se olharem para a gente temos vontade de perguntar: o que foi, ô?Mas há dias diferentes. Em que acordamos com vontade de abrir as janelas – da casa e da alma – e vibramos ao ver que há ao menos uma possibilidade, por menor que seja, de que o sol venha e nos traga alegrias – e olha que podem ser pequenininhas. Nesses dias qualquer ruídinho infame nos faz sorrir. É quando dizemos estar de bem com a vida, e ela merece, vamos e venhamos!Pois bem. Hoje foi um dia assim e eu disse, lá no meu coração, tudo o que sentia e queria dizer talvez até com palavras mesmo. Expressei meus sentimentos e ninguém viu. O mundo e seus sortilégios nem सेम्प्रे। permite que vejam o que sentimos. É ou não é? Quem jamais se sentiu invisível e mudo diante do mundo, que se manifeste agora!Pois bem, hoje eu olhei em volta e soltei os verbos। Todos. Os adjetivos e predicados também. Os objetos, idem. E eis o que saiu:Bom dia, formigas todas do meu mundo, ratos, baratas, minha gatinha e borboletas, muitas borboletas com suas lagartas - promessas de novas e multicores borboletinhas. Bom dia, sombra minha, tudo bem contigo? Sentiu minha falta? Bom dia céu azul de outono, bom dia, sol, bom dia vento, astros, folhas de maio, bom dia saudade do mar de Copacabana, bom dia areia do Cambirela, bom dia amores que se foram, tristezas que partiram, felicidades que virão, abraços que não voltam, beijos que foram roubados. Bom dia, palavras que não ouso dizer para não magoar. Ah, engolidas palavras minhas... Bom dia, velho coração atormentado, atordoado, amedrontado, embolorado mas, ao mesmo tempo, reelaborado e enfeitiçado. Bom dia, corpo suspenso pela tarja preta, consciência esquecida pelo excesso de trabalho. Bom dia vida, passado, presente e futuro.
Bom dia a tudo que não existe, porque nada, enfim existe a não ser uma certa essência que controla tudo e que a gente não pode abraçar. Bom dia, minha reza, meu canto, a fé que ainda tenho e que, com certeza me mantém viva. Bom dia pitangas e acerolas do meu quintal, sempre lutando para renascer. Bom dia sorriso de um desconhecido na rua. Bom dia seres que fazem parte dos meus dias – alunos, amigos, filhos, amor, E se sobrou um bom dia sequer, saúdo a mim mesma, com um brinde de exaltação, ainda, a restos pulsantes de mim.Bom dia, leitores dessas linhas que, despretensiosamente comecei a escrever mas que não posso e nem devo (creio!) desprezar.Estou certa?

10 de maio de 2008

Com ternura e com afeto.


Nasceu pequenina, miúda, franzina. Comentário da vizinhança: “leva pra benzer. Essa menina é embruxada.” De nada valiam as reforçadas comidas que a mãe preparava, nem mesmo as homeopatias que o pai fazia.
Foi crescendo. Entre outros irmãos, era a mais velha. Ia para roça apanhar café, catar mata-pasto, cortar trato para o gado.
Brincar? Só aos domingos e tinha que voltar antes das cinco.
Aos quinze anos perdeu o pai. Ficaram seis filhos para ajudar a mãe. E a menina miúda, sem corpo ainda de mulher, teve que ver seu trabalho dobrar. Agora era questão de sustento. Lavava,, passava, fazia bolos e pães além de ter que dar banho nos irmãos menores.
Xingava! E a mãe dizia: cuidado... vais ter uma ninhada como eu tive.
Dezesseis anos.
Aprender costura com a tia mais velha. Profissão.
Dezoito.
Casou-se. Estava na hora. Precisava formar família, ter seus filhos.
Decepção: seu par não era tão perfeito. Continuou lutando, costurando.
Detestava fazer roupas de homem e pensava: faço os vestidos para fora e com o dinheiro pago as caças do meu marido.
Primeiro filho: homem. Segundo: homem. Terceiro: homem. Tomou uma calça velha, desmanchou, aprendeu o corte e começou a vestir, sem gastar muito, seus homenzinhos que mais pareciam princepezinhos, mesmo vestidos com sobras ou reformas de roupas velhas.
Dificuldades sempre.
Mudou de cidade, na esperança de uma vida melhor. Veio o quarto filho. Nasceu sentado. Quase se foi.
Sofria. Longe de casa, sua cidade, sua mãe...
Quatro filhos, falta de emprego, cidadezinha pequena e pobre. Ninguém pagava as costuras.
Sofreu a fome, a miséria, a humilhação porém ergueu a cabeça e prosseguiu.
Mudou de cidade, melhorou de vida e veio-lhe mais um filho.
Nasceu menina! Pequenina, miúda, franzina. “leva pra benzer, essa menina é embruxada.”
Princesa embruxada, amada, sonhada.
A vida melhor, enfim, deu um passo à frente. Lutava!
Costurava, fazia pirulitos de mel, pipocas. Já tinha meninos maiores para ajudar a vender.
Marido bebia, caía na rua, fazia escarcéu. Só ela forte, sempre, pensando no futuro.
Mais um filho. Homem novamente. Voltaram para a terra natal. Seguir em frente.
Finalmente foi reconhecida na cidade maior. Costureira de mão cheia, freguesas ricas, muito trabalho sempre, serões, cansaços.
Quarenta anos: mais um filho. Sonho de ter mais uma menina. Gravidez de risco. Tratamento, vitaminas.
Nasceu menina! Era o sonho realizado. Fim da trajetória mas era preciso continuar lutando.
Marido adoeceu gravemente. Não mais andava, nada fazia sozinho. Virou enfermeira. Enfermeira, costureira, cozinheira...
Com a viuvez, veio a depressão, a síndrome do ninho vazio começo a se instalar. Sofreu as dores da alma. Não titubeou. Prosseguiu.
Filhos criados, encaminhados. Comerciantes, contabilista, professora, coronel. Venceu!
Nunca fez cursos profissionalizantes. Estudou somente até a quarta série porém manteve a honestidade e a dignidade pela vida afora.

Conto-lhes essa história porque é verdadeira. Aqueles meninos todos eu os tive comigo, ao meu lado, me carregando no colo, me levando para brincar, escorregando comigo pelos barrancos, empurrando-me no carrinho de rolimã. A segunda menina – hoje com 30 anos é minha amada irmã, a qual já pude ajudar a criar e a quem amo como se minha filha fosse. Aquela outra, pequena, miúda e franzina sou eu e essa Mulher-Maravilha é minha mãe.
Sempre nos ensinou os melhores caminhos e se algum de nós deles se desviou, não foi por falta de lições ministradas por ela. Se não fosse por ela eu também não estaria aqui, escrevendo esse texto.
Hoje está com setenta anos. Tem dezessete netos e três bisnetos. Nos natais, às vezes, conseguimos todos nos reunir. Ela é o pilar que nos mantém de pé, Ela sustenta nossas existências. Sem Ela não sei o que seria de mim. Foi Ela quem sempre me deu os livros e a fome por saber.
É por isso que nessa véspera do dia das Mães, quero homenageá-la estendendo o meu afeto a todas a mães – ricas, pobres, amadas, amantes, sabidas, ingênuas, escritoras, leitoras, analfabetas, mulheres...
Também sou mãe e conheço a importância e a ternura de sê-lo.

Feliz dia das Mães – às mães de hoje, de ontem e de sempre.

5 de maio de 2008

Sobre amigos, flores e afinidades.


Meu bom amigo Chico mora numa cidade distante. Não a conheço. Sei que fica perto de uma outra localidade que tem um nome interessante – Feliz, ou Sorriso, não lembro direito. Imaginem vocês o que seria ou deve ser residir num lugar chamado FELIZ ou SORRISO? Eu moro em São José. Que graça tem isso? Cidades deviam ter nomes mais significativos ou menos religiosos, sei lá, mas isso também não vem ao caso, ou melhor à crônica. Volto ao Chico: também jamais o vi, a não ser por aqui, pela Internet – nessa máquina maravilhosa e maldita chamada computador. Porém o meu amigo – e sei que posso chamá-lo assim por tudo o que já sentimos de comuns acordos por aqui mesmo, via tela fria – é um tipo de homem misterioso, e grande por causa disso. E A D O R A sementear. Assim mesmo, desse jeito, ao pé da letra (se é que letra tem pé, ou cabeça – hoje dei para as reflexões ínfimas): sementear. E isso vai por tudo. Tem uma loja que vende sementes mas jamais se contentou só com elas. Além de vendê-las e plantá-las, germina no meu amigo a ânsia de ver florescer nos homens a imensa magia da semente de palavra. Chico, o meu amigo, escreve poesias. Imagina cenas que os homens do hoje já não conseguem ver mais, pois não possuem tempo para apreciar. Imagina sim, mas também somente esse solo não lhe é suficientemente fértil. Então fotografa, eterniza e, junto com sementes, (Amor-agarradinho, manjericão e cosmos – uma amarela bonita!) certa vez, enviou-me alguns frutos de suas colheitas – fotografias, poesias e uma caixinha pequenina cheia de sementinhas, cada qual com seu bilhetinho minúsculo explicando o quando, como e onde plantar.
Chico é o cara mais intenso que eu (Não) conheci (?) Não??? Só porque jamais nos vimos, porque nunca trocamos um abraço, porque a distância sempre se colocou entre nós? Mudo a frase imediatamente. Chico é o meu grande amigo pois o abraço afetuosamente a cada vez que aparece no orkut, no blog, num e-mail rapidinho. Ele é, talvez, até mais que meu amigo: um irmão de alma, coisa rara de se encontrar nesse mundão de meu Deus. E se chama Chico. Um nome também sem pompa, tanto quanto é o meu. Se não tivesse sobrenome ainda assim nada me faltaria para que ele fosse o meu amigo porque esses seres tão raros de se encontrar não necessitam ter muito mas sim, ser algo a mais.
Eu poderia ficar horas escrevendo sobre ele, mas de repente, lembrei de uma frase do Manoel de Barros, um poeta que amo demais, nascido à beira do rio Cuiabá e que reside hoje em Campo Grande (M.S) : “Tem mais presença em mim o que me falta”. Ou outra, dele também e essa serve como homenagem ao meu amigo-poeta-fotógrafo-irmão de alma, o Chico: “Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou”.
Quanto aos leitores, sei que também possuem amigos assim. Gente de verdade que nos ouve mais e nos diz muito, mesmo que seja de longe. Pessoa presente através de palavras que vêm pela tela, gente com quem conversamos sem jamais termos olhado em seus olhos, seres que jamais nos viram, porém, com certeza, sentiram o coração da gente disparar, o toque na mão suada, emocionada, diante da leitura de palavras das quais precisávamos tanto naquele exato momento. Sim, existe amizade sem toque e a Internet foi capaz de produzir cenas assim e essas coisas todas têm dimensões muito importantes. Moscas, passarinhos, flores, fotografias, palavras e pessoas, a inquietude e a infinitude diante da vida, tudo isso eu vi e vejo sempre quando lembro do meu amigo.
Um dia, quem sabe? , eu passe perto daquela cidade de nome bonito – Feliz? Sorriso? , entre na loja e pergunte ao vendedor: tem por aqui um plantador de sonhos e semeador de palavras chamado Chico?
E então, pela primeira vez entre nós, as palavras serão dispensadas.

P.S – O amor-agarradinho pegou! Aguardo os caramanchões para a primavera.

25 de abril de 2008

Proesia

Entre as tantas pessoas que me conhecem, que convivem comigo e sabem de minha paixão pela escrita, algumas têm me perguntado se o blog terá apenas crônicas. Todos esses sabem que meu primeiro amor literário sempre foi a poesia। É ela quem me visita nas mais absurdas horas, nas noites insones, durante os aparentemente vagos sonhos, na hora da macarronada, no meio da faxina - da casa ou da alma - na sala de aula onde declamo o que os Grandes que me precederam deixaram gravados no papel. Sim, a poesia, minha velha companheira é quem mais me vem contar suas novidades . Ou vinha. Talvez tenha se cansado um pouco de gritar para mim, implorar que eu a prendesse. Talvez tenha pensado: ela está sempre tão cansada ultimamente, vou deixá-la um pouco só. Ah, poesia velha minha companheira, deixaste o vazio nas incontáveis horas e, querendo prosear comigo, apareceu a senhora dona crônica. Foi bem-vinda, tem sindo bem recebida mas, tu, Poesia, não tem jeito: estás dentro do que de mais profundo possa haver dentro de mim. É por isso que hoje deixo aqui um poema que escrevi nem lembro quando. Em matéria de versos, nada importa o tempo, mas sim o registro enquanto sentimento. Apresento-vos:
Meu Credo.

Hoje te falo das minhas certezas
Porque creio nelas.
Essa é a minha Pátria,
Meu credo,
Minha religião
Onde o Deus
- teu amor –
É meu refúgio.

Creio na força do deitar
Involuntariamente
Imprevisto em atos e desatos.
Creio no amor
Que inteiro se guarda e deságua
Na dor da saudade imprevista
Na fé de que o amanhecer existe.

Meu credo é tua chegada
Num minuto infindável
De um tempo sem limites.
Se acaso te vais
Fica uma parte tua
Que me envolve em sonhos
Na penumbra da noite
E na esperança
Do dia novo e inigualável
Que há de vir.

Meu credo é a certeza
De que és hoje
O que não pudeste ser outrora:
Um sonhar real e indivisível.
Meu credo é esperar-te
Sabendo que no momento exato
Há de consumar-se o inesperado
Em que as paredes serão meras coincidências.
Seguiremos juntos
Num vôo alheio a tudo e a todos,
Num lugar qualquer que criaremos
À nossa imagem
Pela semelhança dos gostos
De nossas vidas que se tocam.
Meu credo são nossas verdades,
Ainda que o mundo seja de mentiras
Meu credo é A - Mar - Te
Na certeza infinita
De sermos nós mesmos।

Poesia+prosa=Proesia।
Beijos para o final de semana

23 de abril de 2008

Simples assim.

Essa crônica de hoje pretende falar um pouco mais, ir além – coisa bem minha essa de esticar os assuntos e ainda detestar quem não me deixa falar - sobre um assunto banal e, ao mesmo tempo, maior que a alma da gente. O amor. Como escreveu Florbela: “O amor, ah, sim, o amor. Linda coisa para versos...” deixando a poetisa portuguesa de lado, a música citada antes é bonita. Começa assim: “Hoje eu acordei com saudades de você, beijei aquela foto que você me dedicou...” Tem coisa mais meiga? Pois é. E isso me fez relembrar meu primeiro amor ou a primeira vez que senti algo diferente por alguém. Bem adolescente, lógico. E para quem acha que eu nasci com essa cútis desbotada, é bom que saiba que já fui criança, jovem, já tive 14, 15 anos e tive, sim, minha primeira paixão e meu primeiro amor e que, hoje, com mais de 40, ainda amo e aprendo a sentir.
Como podem imaginar pela leitura da anterior, o Ronie Von foi quem despertou meus sentimentos mais bonitos. Acompanhado da ilusão, lógico, foi por ele que experimentei o sonho, a querência de tocar, a saudade, a impossibilidade – características do amor impossível, coisas do romantismo impregnado herdado de minha mãe, minha avó e de todas as mulheres que me precederam. Pois bem, nesses casos quase sempre há uma rival. A minha veio em dose cavalar: todas as meninas/moças/mulheres da época, alucinadamente apaixonadas pelo mesmo cara, o Ronie... Graças a Deus o esqueci entendendo que seria melhor um homem mesmo, de verdade, de carne e osso e menos famoso (para dar menos trabalho).
Depois apaixonei-me por um padre. Foi triste. Mais um amor impossível e, como sempre, as rivais. Dessa vez era uma só mas muito, muito mais poderosa do que todas as outras. Nada mais nada menos do que a Virgem Maria e vocês haverão de concordar que foi bem melhor desistir. É, eu era inteligente. Dizem que “contra a ignorância nem os deuses lutam”. Com rivais como essas, não era eu quem ia lutar, certo? Melhor tocar o barco das ilusões, a loucura e as vaidades do que entrar em batalhas amorosas assim complicadas. Foi mais fácil casar.
Casei-me, tive meus filhos, já sou até avó e isso alegra minha vida, meus dias, me refaz e perpetua. Casar-me jovem foi uma experiência incrível. Tive que desenvolver a responsabilidade bem cedo – casa, comida, roupas para lavar. Minha faculdade, o sonho de estudar Letras teve que ficar para mais tarde. Minha mãe dizia que era uma coisa ou outra. Estudar e namorar não podia. “-E quantos sofás tu achas que eu vou gastar até que te cases? Não, e não e não, nada disso, mocinha. Se namoras é para casar depressa. Quem tem marido não precisa estudar.” Mas eu estava apaixonada novamente e casei. Foi bom. Enquanto durou. A felicidade visitou-me diversas vezes. Algumas rivais também. Sobrevivi.
Mais velha voltei aos bancos escolares. Me formei. Hoje, as palavras me dominam, as mesmas que me perseguiam quando eu era criança e aprendi que quando se nasce para algo maior – no meu caso, as letras - não há força exterior que detenha. Ainda me apaixono e isso é tão bom agora porque me movimenta. Entendo, depois de passados os anos, que amar é bom, que estar em estado de amor é doce, maravilhoso, nos reconstrói e nos sustenta. Tão bom agora poder dizer-me apaixonada e não pensar nos triviais problemas do amor. Se eles aparecerem, palavras não me haverão de faltar e as lutas estão mais tranqüilas nesse tempo, o agora. Maturidade, madura idade, como é bom sentir o teu abraço!
Legal nesse meu presente é saber que estou viva, que terei sempre meus amores para recordar, como no filme, mas também, e principalmente, tenho o conhecimento para ter um amor para amar, só isso, simples assim. “Recordar é viver”. O que não se pode é viver apenas para lembrar. Bola pra frente. E viva o amor, tenha ele a idade que tiver. E viva a vida pois, como diria Fernando Pessoa: “venha o que vier, nunca será maior do que a minha alma.” Credo... de repente o Ronie Von ficou tão apagadinho. Eu, heim?

20 de abril de 2008

“Velhos tempos, belos dias”

“A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim...” Sim, a música é antiga. Se fossem pesquisar, veriam que é da década de setenta, do século XX (Eu acho...). Deus, como parece distante. Nossa Senhora, como está pertinho agora, diante de mim. 31 anos. Neste ano faz trinta e um anos que fui ao show do Ronie Von, no ginásio do SESC – lotadasso de adolescentes como eu, gritando histéricas pelo ídolo. Eu não estava assim excitada. Mal falava diante de tantas surpresas. Lembro que só olhava. E ouvia. Atentava para tentar compreender o que ocorria ali. Ele usava uma camisa de cetim branca, um cravo vermelho na lapela do paletó que tirou ante os gritos da galera. Momento mágico foi aquele. Mágico porque eu estava lá e nem sabia que estaria. Minhas amigas, com mais posse, compraram ingressos com antecedência enquanto o meu chegou às minhas mãos uma hora antes, pelas mãos de meu irmão, que os ganhara e resolveu levar a mim, já que o pai da namorada não permitira. Sorte a minha.
Nem vi minhas amigas. Elas foram mais cedo, pegaram os melhores lugares. Eu fiquei bem longe mas para mim era indiferente: eu estava ali, ouvia aquele barulho forte, que mexia com meus nervos e via aquele artista de carne, osso e pescoço no mesmo espaço que eu, cantando, me deslumbrando. Como eram lindos seus dentes, seu sorriso, tudo à sua volta. Como eu via encantador o mundo daquela gente toda, vivendo aqueles momentos, como eu me via ali, tão abstraída de minha própria vida pois aquela, com certeza, era uma vivência que eu jamais vira ou imaginara. Quando ele cantou “Love me Tander” em homenagem ao Elvis que havia sido assassinado há um mês, eu chorei. Ele também. E fomos todos naquela hora, a platéia inteira junto dele e do morto, um só.
De infância pobre, um ingresso como esses só ganhado mesmo. Também foi assim quando fui ao teatro pela primeira vez. Também eram assim as roupas que eu usava: a maioria delas, ganhava da prima que crescia mais do que eu e tinha até TV em casa. (Um dia ainda vou escrever sobre a experiência de ter visto a Pantera Cor-de- Rosa colorida pela primeira vez!) Maçã eu comia quando ia com minha mãe à cidade - era como ela chamava o centro de Florianópolis - e tinha que escolher entre a verde e a vermelha. Escolha complicada. Eu gostava tanto das duas. Maionese na minha casa, só aos domingos. Sobremesa também. O lanche que eu levava para a escola, era pão feito em casa com o que tivesse. No meu aniversário era legal: eu ganhava dinheiro para comprar no barzinho uma pepsi de garrafa. Dúvida cruel: eu também gostava de mirinda. Acompanhava esse refrigerante uma pipoca e a doce era a minha preferida embora o cheiro da salgada jamais tenha saído de minha memória.
A boneca da vez era a Susi. O sonho de ganhar uma era acalentado a cada Natal. Um dia ela chegou. Fora de uma prima distante, que possuía muitas e não lhe faria falta aquela que a mãe dela, minha madrinha, me deu de tanto que a segurei quando os fomos visitar em Joinville. Filha de costureira, aprendi a fazer roupas lindas para a minha Susi. Vestidos de noiva eram os meus preferidos, com véus longos que eu prendia na cabeça dela com alfinetes surrupiados de minha mãe. E pequenas flores que eu mesma fazia, com minhas mãozinhas magras. Sobrevivi a tantos quereres sem dor e não guardo trauma por não ter tido muitos bens que outras crianças de minha idade tiveram. Nas minhas recordações, há muitas presenças alegres, bem mais do que tristes, podem apostar.
Hoje me vejo mais velha. Meus filhos cresceram num mundo mais fácil para se viver. Sempre tiveram o que lhes pude oferecer – nada muito valioso, nada paupérrimo também e tudo o que lhes dei foi a custa de muito trabalho. Conhecem teatro, freqüentam cinema, nunca lhes faltaram livros – objeto de decoração na estante da minha casa em criança, e raros! A mais velha quis ser bailarina, o do meio aprendeu um pouco de judô, ambos gostaram por um tempo de música e aprenderam a tocar piano e teclado. O mais jovem faz inglês e passa horas diante de um computador “vivendo” um ambiente esquisito, tão diferente do que foi o meu.
Entendo que são felizes no mundo deles e que a tecnologia vem se desenvolvendo para ajudar o homem a ser mais independente, porém sempre me pergunto: o que será dos meus netos neste mundo individualista e frio das telas dos computadores, dos homens mais calculistas, competitivos?
Pulo aqui as fases tantas que foram vividas em 31 anos. Não é plausível para uma crônica listar assuntos tão variados mas, quero lançar um questionamento simples: será que nossos adolescentes e crianças lembrarão 31 anos depois do primeiro show que foram, do que sentiram, do que choraram? Será que lembrarão de algum brinquedo especial nesse lugar de vivências em que tudo quebra em dois dias e onde tudo perde a graça tão depressa? Na era do Enter e do Del, de que recordarão meus netos? Jovem eu escrevia em cadernos minhas primeiras poesias e as tenho até hoje, lutando anos contra baratas, fungos, traças, mudanças. Pobres cadernos furados que guardam minhas palavras e pensamentos. Fedem a tempo, dizem os mais tenros. Cheiram saudade, afirmo com certa meiguice. Hoje ainda registro em papel escrito as maluquices que escrevo. É minha letra, gente! Minha caligrafia faz parte da história da minha vida.
O computador é traiçoeiro. Os vírus matam os textos e as construções de cada ser e, pior: os mais jovens não dão bola. Faz-se outro, compra-se outro, esquece-se. É a vida! Eu discordo. A vida é o que se registra e se guarda para provarmos que existimos, que passamos por aqui. A vida é composta por retratos em papel, por folhas e canetas, por elementos simples que estão sendo deixados de lado em prol do que chamam modernidade. 31 anos depois do Ronie Von e da morte de Elvis, “eu me lembro com saudade o tempo que passou, tempo que passou depressa mas em mim deixou, jovens tardes de domingo, tantas alegrias, velhos tempos, belos dias...”.
É lógico que não posso mais voltar àquela praça. Ali existe hoje um prédio. É óbvio que não vou obstruir o progresso em nome de meu saudosismo. É claro que não pretendo envelhecer numa cadeira de balanço sofrendo pelo que mudou, mas uma coisa quero: que as pessoas valorizem mais o ser do que o ter, que um beijo seja mais importante do que um jogo novo, que um livro seja mais interessante do que um resumo pego na Internet no domingo à noite para a prova de segunda.
Não resumam suas vidas. Cantem mais as boas músicas, pesquisem mais, conheçam a história de seus pais, conversem com os mais velhos, utilizem mais canetas do que CDs, montem álbuns com fotografias - não no orkut – sejam mais gente do que robôs e um dia, espero, nos encontrarmos para lembrar deste tempo, o de agora, em que nossas vidas, através dessa crônica se cruzaram e tocaram seus corações. “A gente vai crescendo, vai crescendo e o tempo passa e nunca esquece a felicidade que encontrou. Eu sempre vou lembrar daquele banco lá da praça...” Por onde andará o Ronie Von? Se alguém souber, comente!

Um aceno ao passado.

Não é que eu queira ser romântica, mas com o tempo descobri que saudosismo nasce com a gente, se desenvolve e multiplica. Diria até mais: cresce feita praga, erva daninha mesmo, sem remédio que dê conta.
E hoje me pego num desses dias em que a saudade é amarela, de doer. Convidada ao exercício da escrita – devo “cometer” uma crônica – o tema me reporta à infância e se há coisa danada para despertar esse sentimento acre-doce, é a tal primeira idade, a dos sonhos, a da vida que não passa e que, ao mesmo tempo, voa, afinal, quando nos damos conta já se foi o aniversário de quinze, a carteira de motorista por anos almejada está ficando poída e os fios prata entrelaçados aos cabelos já são em maior quantidade que há um tempo.
Mas há lago ainda pior: as pessoas que vão embora e levam consigo sonhos também nossos, outrora compartilhados, momentos vividos, ainda vívidos, ávidos por serem revistos. Às vezes mágoas, sim, que somos todos normais mas, acima disso, e entre tudo ficam as lembranças, as vivências, o que foi experimentado.
Então meu coração de menina grita num aceno ao passado e me vejo com doze anos, à noite, no quintal da casa, entre as árvores. Incumbida da tarefa de dar de comer ao gato, o medo me dominava. E isso acontecia todas as noites. Uma vez foi horrível: meu corpo magro e desengonçado de pré-adolescente eletrizou-se após ouvir um som forte. Parecia uma onça, juro!
Saí correndo, assombradíssima, para o aconchego e a claridade da casa, aos gritos, rezando, branca como cera. A seguir, morrendo de rir ele entra, me acalma, aconchega-me em seus fortes braços. Sinto seu calor, o cheiro da loção após barba e nossos corações tocam-se num enlace, ao mesmo tempo em que ouço sua voz melodiosa dizer-me: calma, calma, era só uma brincadeira.
Hoje já tenho filhos e eles também têm gatos. Nossa casa, um quintal com árvores bonitas e, quando os assusto nas noites, brincando de ser criança, sempre lembro dele. É, e vem aquela saudade doida de ti, meu pai.

17 de abril de 2008

Por que a crônica?

Meus melhores momentos literários me vêm à noite. É na hora da calma, depois que o mundo dorme, que meu cérebro – lado direito, esquerdo, o meio, sei lá – começa a funcionar em escala de palavras ou aleatoriamente elas ficam a borbulhar ali. Borbulham, mudam-se, reviram e mexem-se até que me vejo (ou via?) poeta. Palavra vai, palavra vem e aquilo me incomoda e encanta tanto que não tenho como fugir. Então escrevo. Poesias. Convém dizer que isso não acontece assim como estão imaginando: oh, ela exercita a escrita todos os dias, faz dez poemas por noite. Nada disso, como já disse são momentos literários e isso pode eclodir a seu bel prazer, não é de meu domínio. Graças a Deus, senão já seria escravidão e disso não gosto! É bom explicar também que para tudo em minha vida, é necessária uma grande paixão. Ou estou envolvida com um projeto de vivências, ou a escrita fica no grau zero, como diria Barthes.
Meu diário, ou o que deveria ser lido como, mas não é porque simplesmente recebe minhas “inspirações” uma vez ou outra, deveria ser chamado mensanário, ou trimestranário – eu o chamo de qualquer coisa que possa soar lugar de escrita, algo do tipo: meu caderno de chororô, com seus registros muitas vezes absurdos e triviais, sentimentais, mais vezes, prosa poética para uma única pessoa que permiti ler. Pois bem, em suas páginas há sempre, ou quase sempre, um mesmo começo: “É noite...” ou então, “E é noite novamente” , com algumas variações e semelhanças. Em prosa, lógico. Raramente é dia quando escrevo, o que me leva a crer que a noite em sua escuridão me ilumina.
Todavia, há alguns dias venho sido acometida de uma grande novidade: tem me vindo visitar nos horários mais inusitados, a prosa, mais precisamente, a crônica. Confesso que até estou assustada. Como as palavras, essas danadinhas que estão ali, todas dentro da gente, agora, em mim, resolveram organizar-se em parágrafos e linhas cheias? Logo comigo isso foi acontecer. Logo com uma pessoa que preferia distribuí-las na folha livremente – uma numa linha, a idéia daquela escorregando na outra, um ponto de interrogação entre vírgulas lá no fim da página. E eu que era (?) poeta passei para o lado da prosa. Sou uma vira-casaca literária e estou gostando disso, o que é bem bom.
Não que eu nunca tivesse arriscado. Nas poucas vezes que tentei a prosa, tive até dor de cabeça, coisa rara em mim. Uma vez senti isso por nove longos dias até que terminei um conto de sete páginas. Chamei-o Caleidoscópio. Na verdade era como eu me sentia, toda dividida e misturada ao mesmo tempo. O conto foi bonito, gostei dele, gosto até hoje embora esteja tão reflexivo que muitas pessoas que leram não o conseguiram compreender. Só eu sei o quanto aquilo tudo me custou em neurônios. Se eu fosse escrever um romance, expiraria com certeza pois não tenho fôlego para tanto, os próprios personagens me internariam e eu morreria à míngua num hospício podre e barato de subúrbio. Com a poesia sempre foi mais fácil. Poucas palavras, muita subjetividade e pronto: lá estava ela prontinha e, melhor: dizendo o que tinha que ser dito, sem mais delongas. Agora, a essa hora da noite, aos plenos 43 anos de idade, me vem a crônica como um presente todo embrulhado com papel doce e fitas multicores, gritando para ser aberto e eu posso dizer que estou apaixonada outra vez. E comigo é sempre assim, tem que haver sempre uma paixão que me mova para eu continuar caminhando. Nesse caso, escrevendo, o que pode até dar no mesmo. Bom, acho que tive uma nova idéia!

16 de abril de 2008

Com prazer é mais barato.

“O grande prazer da vida é fazer o impossível”. Era essa a frase de estímulo que estava no meu orkut dia desses. Grande consolo, não? Sim, e também grande verdade, afinal, o possível todos fazem a cada momento. Fazer o possível é o comum, das gentes que há aos montes por aí. – Vou fazer o possível, senhora. - Senhora, mantenha o nível da conversa, estou fazendo o possível. – A senhora tem que entender, estou atendendo a todos e fazendo o possível.
Fazer o comum o tempo todo é o cúmulo do absurdo numa sociedade como a nossa que exige de nós e faz com que exijamos dos outros a cada dia que sejam mais rápidos, mais inteligentes, mais leitores, mais competidores, mais espertos, ágeis e o escambau. Tudo isso para sobreviver, fazer de conta, melhor dizendo.
Digo isso porque sou daquelas que sente correr nas veias a necessidade de fazer mais, um pouco mais, um tantinho a mais. E o reconhecimento? Vem com o tempo, já dizia a minha avó. No trabalho, atividades diferenciadas para eliminar a mesmice de anos nem sempre são vistas como fazer o impossível. Logo aparece alguém que puxa o teu tapete. Porque fizeste o impossível? Não, porque apareces demais.
Enfim consegues, após anos de trabalho duro, comprar um carro zero ou uma casa nova e aí vem aquele teu amigo e te larga a frase fatal: hummmmm, roubaste bem, heim? Na verdade, enquanto o desgraçado dormia após ter feito o possível, tu estavas fazendo o impossível, desprezando a saúde, o lazer, a família, deixando de lado por falta de tempo o amor, o sexo, a beleza, o viço da pele.
Em janeiro, depois de duas crises de pânico durante o ano - de tanto corrigir provas e preparar tarefas interessantes para fugir do trivial - recebes as férias e segues viagem para a praia do sonho – único lugar que teu dinheiro conseguiu alugar. Ali é que passa aquele vizinho barrigudo num corcel II azul piscina desmontável e te diz: - profissão boa é a tua, férias de dois meses no verão e mais um no meio do ano.
Ou seja, tu passaste o ano inteiro tendo reuniões e cursos em vários finais de semana, tomaste calmantes, vitaminas, ferro, cálcio e antidepressivos para agüentar o tranco, leste vinte e cinco livros deferentes – obrigatórios e quase sempre chatos - para, no merecido descanso, com sono atrasado e querendo só um pouco de paz , teres que ouvir isso. Por quê? Simples: para estar ali, fizeste o impossível 200 dias letivos e em mais outros 90, no mínimo, treinamentos, palestras ou capacitações que mais te davam vontade de cavar um buraquinho e sumir por ali mesmo. Mais valia ter deixado os ouvidos e os olhos em casa e colocado para tomar sol aquilo que do corpo sobrou: a casca ressacada e fraca.
E é assim, infelizmente, que a vida segue e nossa raiva vai sendo testada a cada amanhecer. Pior, corremos o risco de ir endurecendo ao ponto de em mais nada acreditar e aí é que mora o perigo. Faz-se necessário dosar, equilibrar mesmo nossos afazeres e não dar muita bola para a torcida contrária que nunca é pequena, saibam!
Dar seqüência a esforços pelo bem de quem está por perto, que precisa de ti e te valoriza mesmo sem nada dizer, é dever de cada cidadão. Por isso a frase do orkut chamou tanto a minha atenção. É com prazer que devemos agir. Com prazer a vida fica mais suave, mais saborosa e até mais barata (ao contrário do que dizem as más línguas!). Com prazer a gente nem percebe que está fazendo o impossível todos os dias porque de banalidades há muitos sacos cheios por aí.

15 de abril de 2008

Podemos dizer não.

Hoje decidi que começaria minha crônica assim: “atenção nascidos sob o signo de virgem.” No entanto aí já estava com um problema: se o tema sobre o qual eu gostaria de tratar era a quase incapacidade do ser humano de dizer uma pequena e simples palavrinha – o não – por qual diabo de motivo eu começaria minha crônica falando de signos? Faz séculos que não leio nada sobre isso, nem o jornal abro nesta página. Mas hoje abri uma da Internet propositalmente e lá estava:
“Muito do que você plantou nos últimos tempos pode chegar a partir de agora as suas mãos. Essa promessa é da Lua crescente que aconteceu ontem. Já hoje terá sinais: seu desconfiômetro está excelente. Saberá quem de verdade lhe dedica amor e quem só finge, por interesse ou leviandade.” Fingimentos.É isso aí. Por isso comecei assim,agora entendi.
Não desrespeitando a astrologia, que é uma prática milenar e nem tocando em assuntos aos quais conheço pouco como o oráculo, búzios, meditação da lua, quiromancia (mesmo conhecendo aquela cartomante M A R A V I L H O S A !), tudo o que quero dizer, o cerne do texto – para usar uma palavra mais elaborada – é a capacidade ou a incapacidade do ser humano de dizer nãos. Ah, querem exemplos? – Tu poderias emprestar teu nome para eu comprar meu tão sonhado notebook? É que meu nome, sabe?, minha mãe sujou. Então a gente pensa: puts, isso vai dar zebra mas, diz sim. E, normalmente, entra pelo cano. Se o cara não soube cuidar do nome dele, por que haverá de saber fazê-lo com o nosso? Ou, pior, sabemos que ele está mentindo. Comprou o céu e a terra e não honrou compromissos e ainda vem colocar a culpa na mãe? É caloteiro e mentiroso mas nós, bonzinhos que somos, dizemos sim. E sofremos por 24 meses recebendo cartas indesejáveis.
E quando o amor da nossa vida chega bem de mansinho, com aquela cara de safado, de desejoso, de arrependido - depois de uma briga intensa que nos magoou até o primeiro fio de cabelo do útero – e vem nos beijando toda sem dizer palavra pensando que os atos valem muito mais, nós cedemos, abrimos a porta, o coração, os poros e outras coisas e o recebemos, quando em nós grita a vontade correta de dizer que não. Mas, tolas, dizemos mais uma vez, também sem palavras, o sim do qual nos arrependemos duramente ao dobrarmos a esquina no dia seguinte e virmos o “charmoso” no bar, batendo aquele papo com as amigas, motivo do desentendimento anterior.
Sim, é mais fácil dizer sim. A alma implora que digamos seu contrário, o coração pula dentro do peito para gritar o sonoro monossílabo da negação, a boca seca de raiva porque não conseguimos, mesmo sabendo que iremos nos arrepender depois, o que dói muito mais. É o sim que nos move enquanto os outros nos negam direitos que sabemos possuir. É o sim que dizemos porque aprendemos a ser bons, mesmo que o mundo seja inteligente e ruim. É o sim que proferimos diante de tantas certezas de que o não seria mais humano para nós. Diante disso, sofremos porque dizemos quase sempre, o que não gostaríamos de dizer para não ferir o outro, para não magoar. E dizemos o sim para magoarmos a nós mesmos, uma desvorização do “eu”. A psicologia explica com Freud e tudo?
De nada adiantarão a astrologia, a parapsicologia, a holística ou o espiritismo se você não descobrir dentro de si mesma quem você é e o poder que tem. Portanto, não seja mais uma bobinha e use – com moderação – mas sempre que sentir aquela certeza que vale a pena. Uma palavrinha tão pequena, porém que poderá modificar tudo, afinal tem um significado imenso: não. Faça isso por você, ao menos uma vez e sentirá, perceberá o que estou tentando dizer aqui. Bons vôos!

14 de abril de 2008

Amor-perfeito sortido

Uma amiga minha, a que chamei ficcionalmente Margarida, me escreveu e anexou uma foto em que aparecia num vestido sem mangas, de simples corte, com a estampa de amores-perfeitos de variadas cores. Perguntava-me o que eu achava de seu modelito. Sua imagem ali, fria de tela, tocável, porém nada sensitível (essa palavra existe, ou isso é efeito de madrugada solitária e reflexiva???) , me fez lembrar o passado e acenar para ele que se impunha triunfante. (O passado muitas vezes triunfa sobre nossas cabeças). Eis que me pus a recordar e assim, bem assim, respondi à minha boa amiga:
Pois eu me peguei no sábado, vendo sementes num supermercado e lá havia um pacote, um somente, de amor-perfeito-sortido. Fiquei ali, parada, lembrando de nós duas comprando sementes no mercado público. Pensei também nessa metáfora - que feliz seriam todas as pessoas se além de um amor perfeito, ele fosse sortido assim: um dia, a radiância, (hoje dei para inventar palavras?) no outro a exuberância, no seguinte a firmeza que queremos do outro, numa manhã, o azedume engraçado, na tarde azul, um tom de outono no olhar, na outra noite, um beijo poderia ser o bálsamo para um dia de cansaços e solidões, num domingo um despertar mau humorado poderia ser resolvido com um café na cama e a flor do jardim faria as vezes do belo ramalhete sonhado, talvez, por anos a fio. E que, assim livremente, floralmente, todos os seres se completassem, que o amor não fosse um problema e sim, um acalento. Que os viventes se amassem mais e percebessem a importância de sentir. Em silêncio, talvez, com gritos de ânimo , se fosse o caso, mas que todos e todas descobrissem que podemos nos vestir de amores-perfeitos sortidos como teu belo vestido e desse jeito até um tanto piegas poderiam ser também os nossos corações. É à mulher e sua sensibilidade que cabe o dever de desarmar o mundo. Estás linda vestida de primavera em pleno outono, Margarida!
Estou esperando a resposta. Sei que virá mas também que pode demorar, pois a vida corrida não nos permite tanto para responder a tudo. Quando minha amiga vier novamente através da tela e deixar as palavras que sentiu no viés das minhas, vou me sentir mais completa porque as palavras, assim como as cartas - já dizia Fernando Pessoa - precisam de respostas. Enquanto isso não acontece, abro a cortina da janela do meu quarto. Tudo é silêncio nessa noite calma em que o sono fugiu. Todavia penso que amanhã haverá de ter sol e eu posso voltar ao supermercado e comprar as sementes que haverão de florescer na primavera para eu poder mostrar aos meus amores a perfeição que a natureza nos dá, mesmo que, muitas vezes, não paremos para admirar.