1 de agosto de 2008

Morre mais quem fica.


Difícil começar uma crônica para falar da morte quando a matéria desse tipo de texto deveria ser a vida, somente a vida com suas surpresas boas e não com a estupidez (aparente ?) que nos pode levar à loucura se nos propusermos pensar nelas.
Há tantas músicas que falam sobre os que vão embora cedo. Legião Urbana tão bem cantou e encantou levando às lágrimas tantos viventes . Sim, digo viventes pois até que nos provem o contrário, os que morreram não choram. Na verdade, morre mais quem fica do que quem vai. Viram anjos, como na música “vai com os anjos, vai em paz...”
Uma vez assisti a uma entrevista com Tonia Carrero em que ela dizia que o ruim de viver muito é ver tanta gente querida partir e ter a sensação de que se vai ficar sozinha. Compartilhei com ela, naquela hora, algumas perdas. Meu pai (faz hoje exatos dezessete anos que ele se foi) , minha avó materna, meus avós paternos que nem conheci, alguns bons amigos, parentes, tios e tias queridas, até crianças ajudei a velar.
Tenho visto alunos, ex-alunos, jovens irem embora. É cedo. E como dói. A tecnologia expande a dor. Os orkuts ficam repletos de recados, de gente jovem também que sofre a partida dos seres queridos que tinham ainda uma vida toda para viver. Tinham? Se tivessem estariam aqui ainda e aqui é bom parar a discussão para que não cheguemos à questões religiosas.
Namoradas, namorados que fizeram juras eternas, mães, irmãos, família que ficou sem explicação, quase sempre sem direito à despedida, a um último sorriso que fosse, todos manifestam-se ali, como se no céu ou em qualquer lugar que haja do outro lado, em cima ou embaixo, houvesse uma página em que os mortos pudessem receber os recados. Sei lá se podem. Sobre isso, de verdade, pouco sei ou imagino. Mas, é fato que morre mesmo é quem fica, eu repito.
Ainda ontem mais um se foi. No Orkut, ele deixara recado para a namorada: “te darei toda a minha vida.” E deu. Sua vida durou dezenove anos. Sua vida foi dela desde o dia em que se apaixonaram. Ele será jovem para sempre. Ela morreu muito mais, no enterro, na saudade que ficou e ficará por muito tempo. Sim, ele marcou sua vida para sempre.
Um acidente de carro, ele, a namorada e a mãe. A mãe em coma, a namorada machucada, ele morreu. Morrerá muito mais a mãe quando souber. Quando acordar desejará que tudo tenha sido um pesadelo. Lágrimas e mais lágrimas derramar-se-ão. Mas desse sonho ruim, ela não acordará.
Quanto a nós, que poderemos fazer? Choramos na morte pelos que ficaram, não por quem se foi. Choramos a dor de quem vimos sofrer, choramos uma saudade antecipada que sabemos irá chegar, essa saudade para a qual não há remédio como irremediável é também a própria morte. Por isso, morre mais quem fica do que quem vai ainda que o destino seja o paraíso, a terra prometida, azul sem fim...
Quantos desejaram dizer hoje para ele aquilo que eu também quis dizer ao meu pai ao vê-lo sem vida: “ Lembro das tardes que passamos juntos /Não é sempre mas eu sei/Que você está bem agora/Só que neste mundo/O verão acabou./Cedo demais!”
Parece não ser justo mas, quem somos nós para julgar? Cada um tem a sua hora? Era cedo, tarde, cumpriu ou não sua missão? Nada disso importa agora porque para mim, que tenho visto tantos irem embora, tudo o que me resta é pensar e repetir sempre que morre mesmo é quem fica.
Quantas vezes ainda terei que morrer até que viva para sempre? Afinal de contas, como diz a música, só “os bons morrem antes”. Minha homenagem e reflexão vai hoje para vocês e “tanta gente que se foi, cedo demais, cedo demais.”