7 de maio de 2009

HISTÓRIA DE MULHER



Nasceu pequenina, miúda, franzina. Comentário na vizinhança: - Leva pra benzer. Esta menina é embruxada...
De nada valiam as reforçadas comidas que a mãe preparava nem mesmo as homeopatias que o pai fazia.
Foi crescendo. Entre outros irmãos, era a mais velha. Ia para a roça, apanhar café, catar mata-pasto, cortar trato para o gado.
Brincar ? Só aos domingos e tinha que voltar antes das cinco.
Aos quinze anos, perdeu o pai. Ficaram seis filhos para ajudar à mãe. E a menina miúda sem corpo de mulher teve que ver seu trabalho dobrar. Agora era questão de sustento. Lavava, passava, fazia bolos, pães e tinha que dar banho nos irmãos menores.
Falava mal! E a mãe dizia : - "Cuidado! , vais te casar e ter ainda uma ninhada como eu tive!
Dezesseis anos.
Aprender costura com a tia mais velha. Profissão.
Dezoito anos.
Casou-se. Estava na hora. Precisava formar família, ter seus filhos.
Decepção. Seu par não era tão perfeito. Continuou lutando, costurando...
Detestava fazer roupas para homem, e pensava: faço os vestidos para fora e, com o dinheiro, pago as calças.
Primeiro filho: homem. Segundo: homem. Terceiro: homem.
Tomou uma calça velha, desmanchou, aprendeu o corte e começou a vestir, sem gastar muito, seus homenzinhos que mais pareciam princepezinhos mesmo vestidos com sobras ou reformas de roupas velhas.
Dificuldades sempre.
Mudou-se na esperança de uma vida melhor. Veio o quarto filho: homem. Parto difícil. Quase se foi.
Sofria. Longe de casa, sua cidade, sua mãe...
Quatro filhos, falta de emprego. Cidadezinha pequena e pobre. Ninguém, pagava costuras.
Sofreu a fome, a miséria, a humilhação mas, ergueu sua cabeça e prosseguiu.
Mudou de cidade, melhorou de vida e veio-lhe mais um filho.
Nasceu menina!
Pequenina, miúda, franzina. - "leva pra benzer. Essa menina é embruxada!
- Princesa embruxada, amada, sonhada!
A vida melhor, enfim, deu um passo à frente. Lutava!
Costurava. Fazia pirulitos, pipocas. Já tinha meninos maiores para ajudar a vender.
Marido bebia, caía na rua, fazia escarcéu e ela, forte, sempre.
Voltaram para a terra natal. Mais um filho: homem novamente. Bola para a frente!
Finalmente foi reconhecida na cidade maior, costureira de mão cheia, freguesas ricas, muito trabalho sempre.
Quarenta anos: mais um filho. Sonho de ter uma outra menina. Gravidez de risco. Tratamentos, vitaminas.
Nasceu menina! Era o sonho realizado. Fim da trajetória mas, era preciso continuar lutando.

O marido adoeceu. Virou enfermeira. Enfermeira, costureira, cozinheira...
Filhos criados, bem encaminhados. Comerciantes, professora, contadora, coronel...
Marido se foi. Sofreu a tristeza, o vazio, a depressão. Tratou-se, rezou, venceu!

Nunca fez cursos profissionalizantes. Estudou até a Quarta série primária, esqueceu seus sonhos de menina, não ganhou a boneca de porcelana, driblou mil crises, viu a moeda mudar várias vezes, ouviu pelo rádio tantas notícias tristes sobre seu país porém, sempre manteve a honestidade e dignidade pela vida afora.

Tem hoje 16 netos e quatro bisnetos, aos 72 anos.

Conto-lhes esta história porque é verdadeira. Aqueles princepezinhos, todos os vi passar por minha vida e essa mulher maravilha é minha mãe. Dizer que sem ela eu nada seria é quase cair no lugar comum, mas sem seus ensinamentos, meu caráter não teria sido formado e a minha sede de lutas jamais se propagaria. Foi ela quem me ofereceu os primeiros livros, quem me ensinou, entre outras coisas e em meio a tantos afazeres, a ser mulher. Ela é meu exemplo, meu outro eu, sempre presente, o colo que ainda preciso, o espelho em que me vejo para conseguir a cada dia tornar-me melhor.
Na semana do dia das mães, te abraço, minha mãe, como se pudesse ofertar esse carinho a todas a mulheres-mães do mundo com a certeza de que Deus olha por todas, por todas nós.

Roseli Broering, filha, mãe e avó.