21 de fevereiro de 2011

Quando tu vivias...


“A busca da verdade torna-nos castigadores.”
Inês Pedrosa

Quando é mesmo que alguém morre, quando colocamos terra sobre seu caixão depois de velarmos a noite inteira e chorarmos o que numa vida toda não se chorou? Às vezes não.
Nem sempre é preciso morrer para estar morto. Morre para nós quem nos trai, quem mente e até quem fala verdades demais. Morre quem ofende nossas emoções, quem se afasta propositalmente, quem passa e finge não ver, quem cospe no chão ao reencontrar, quem envia recados a outros turvando nossa imagem. Morre quem opta por atitudes vis e morre mais ainda, quando celebra sua suposta vitória aos quatro ventos.
E, assim, dessa forma trágica, infelizmente, vimos muitos dos que amamos ou amávamos morrerem para nós. Tornam-se fantasmas vagando pela cidade, corpos flutuantes que podemos encontrar em barzinhos, na rua, pelas calçadas. Esse tipo de fantasma nos causa repulsa, não medo, nos faz sentir pena, não nojo. Estão mortos até para eles mesmos e não sabem. Pobres coitados.
Este texto não tem por objetivo falar dos que morrem à nossa volta de uma mortezinha boba, pequenina. Fala e diz dos que nos decepcionam e se deixam morrer carregando junto ao féretro pedaços bons de nós que não foram vistos e, sobretudo, diz daqueles cuja soberba é tão grande que se matam envenenados com o própria saliva, uma vez que de humildade, nada possuem e desaprenderam a reconhecer que, enquanto vivos para nós, eram tratados como as mais especiais pessoas de nossa vida e isso inclui amigos, amantes, parentes e até filhos. Basta que sejamos gente ao menos por um tempo.
Inês Pedrosa em seu belo romance “Fazes-me Falta”, diz a certo momento que “ninguém nos diz como é que se sobrevive ao murchar de um sentimento que não murcha.” Morremos todos diversas vezes em vida, até que se possa atingir a classe de escrever em vez de somente sofrer. Então se transcrevem as palavras duras como a por em tinta o que vai no fundo da alma. Passamos para o papel aquela frase dolorida que ouvimos para matarmos, não as palavras, mas a dor e a enterrá-la junto com quem a pronunciou. É de Florbela a ideia: oh, doloroso mal de ser sozinha e de ter tantas almas a sorrir e a chorar dentro da minha. Essa multiplicidade de almas é coisa de poeta, dirias, tão banal.
Hoje eu choro a tua morte, queridíssimo e a minha também. Tu que morreste antes de envelhecer em mim, tu que te mataste pela via da palavra, tu que te traíste e me feriste ao dizer que o mal que te fiz foi muito maior do que todo o bem que te possa ter feito. Parar de viver e morrer não são a mesma coisa. O mundo não recua, apenas avança. Se é certo que “nada passa e nada fica, é apenas a ilusão do tempo”, que claro fique: isso não é um ensaio sobre as fragilidades da vida, mas sim um rompante de força em que me jogo para dizer que enquanto tu morres, eu prosseguirei lutando para viver. Enquanto tu vivias, podias sempre voltar e respingar tuas verdades absolutas, no entanto não viveste o suficiente para compreender. Ainda não aprendemos tudo. Ainda morreremos mil vezes até o gran finale. Por ora, neste ínfimo espaço de inexistência, tragam as flores em meu nome. Que a terra te seja leve.