17 de novembro de 2010

Infinitas significações.



"Deus de vez em quando me castiga. Me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra."[Adélia Prado]


Muitas vezes, no universo veloz em que vivemos, os olhos nos traem. Em quantos momentos, de fato, paramos para ver, admirar, contemplar, atentar ao que a visão nos mostra? Nem sempre ultrapassamos as linhas do superficial. Afinal, o que é olhar e o que é ver?
O lugar comum nos relata que “as aparências enganam”. Nesse sentido, estar diante da novidade, a princípio, nos faz tomar posicionamentos que poderiam ser modificados caso prestássemos maior atenção. O olhar é vago, impreciso e não nos oferece uma total impressão, uma vez que é presença de primeiro momento.
O perigo pode residir aí. Em relacionamentos instantâneos, por exemplo, quando rapidamente olhamos – a cor da pele, o modo de vestir-se ou comportar-se do outro pode nos causar aversões que culminam em julgamentos muitas vezes precipitados, o que seria facilmente solucionado se parássemos para ver.
É o ver que nos oferece a possível diferença. Ver é olhar profundamente, estar mais atento ou disposto a compreender muito mais do que entender. Ver é parar para admirar e tentar conhecer, não julgar ou condenar, mas sim, tentar perceber.
Todos são verbos de infinitas significações. Cabe somente a nós saber e querer conhecer suas sutilezas para viver bem sem cometer injustiças. Sobretudo, amar aos que estão à nossa volta sem o véu do preconceito que tantas vezes nos cega e, nessa condição, seremos sujeitos alienados que nada vêem por não sabermos a importância ou a diferença – sutil – entre olhar e ver.

Texto produzido em sala de aula, junto com os alunos, após propor o tema a eles, mediante a leitura da crônica de Rubem Alves “A complicada arte de ver.”

10 de novembro de 2010



O passado embrulhado para presente

“Não sei se não ter
é melhor que ter e perder,
ou perder
é o ter que resolveu viajar.”


Chicão

Minha amiga me escreveu contando que recebera, pelo seu aniversário, um poema de presente. Diz – e percebe-se a emoção e alegria em suas linhas virtuais – que esse amigo talvez arrastasse uma asinha para ela, na juventude. Ela, prestes a completar 58 anos, recebeu de presente um poema mais que de amor que falava do passado e que começava assim:

“Não sei se ainda
somos a mesma essência,
ou apenas reticências
de um período quase sem verbo de ligação.
Não sei se quase-sessenta
É também quase sensato,
ou apenas um inócuo passado
do quase-acontecimento.(...)”


É. Uma asinha, um bonde, um metrô inteiro, talvez, ou quase. O fato é que o tempo não apagou aquele sentimento que, certamente, nutria por ela e que, mesmo sem ser correspondido, permanece ainda entre os dois. Mesmo que apenas um ame, a união se faz. Um coração que bate por outro e o declara, toca no outro. É por isso que passados os anos ouvimos nossas mães ou avós comentarem ao verem e reconhecerem num Sr distinto na rua a figura de um amor do passado: “aquele ali queria me namorar quando eu era jovem.” Fica a lembrança.

Nem sempre as mulheres se casaram com os homens que mais as amaram e também não é regra que tenham se unido aos que mais tocaram seus corações. A vida exige decisões, escolhas, caminhos a serem seguidos e neles, muitas vezes, perde-se algumas pessoas para se poder ganhar outras. Um amor aqui, um namorico ali, um envolvimento de outro lado, aquela paixão arrebatadora lacrada naquele caderno, o álbum de fotografias escondido no cofre, tudo amarelecido, cheirando a passado e tempo. Mas disso também vivemos e revivemos - aconteça a quem acontecer, nossas amigas, as mães delas e nossas ou nós mesmas: do que foi vivido ou sonhado, nutrido, acalentado, somado, diminuído, esgotado ou esquecido. Tudo foi vida que o tempo se encarregou de não deteriorar pois de essência foi fabricada.

Os amores antigos de tempos em tempos voltam, revoam à nossa volta como a pedir alento ou um bocadinho de passado que os console, consolando, assim, a nós mesmas também. O amigo de minha amiga, assim, nesse aniversário resolveu aparecer para deixar a ela suas palavras, segundo ele, feitas “agora, neste instante”. Ah, o agora, os instantes, componentes máximos do que somos sem que sequer, no passado, julgássemos poder ser porque somente o tempo nos dá mais dúvidas para que nos tornemos mais sábios, mais dores para que aprendamos a melhor caminhar, mais desafios para que procuremos maiores esperanças, mais lembranças para que possamos ainda sonhar e mais, muito mais obstáculos para que possamos provar nossa coragem de prosseguir e continuar vivendo.

Roseli Broering