25 de abril de 2008

Proesia

Entre as tantas pessoas que me conhecem, que convivem comigo e sabem de minha paixão pela escrita, algumas têm me perguntado se o blog terá apenas crônicas. Todos esses sabem que meu primeiro amor literário sempre foi a poesia। É ela quem me visita nas mais absurdas horas, nas noites insones, durante os aparentemente vagos sonhos, na hora da macarronada, no meio da faxina - da casa ou da alma - na sala de aula onde declamo o que os Grandes que me precederam deixaram gravados no papel. Sim, a poesia, minha velha companheira é quem mais me vem contar suas novidades . Ou vinha. Talvez tenha se cansado um pouco de gritar para mim, implorar que eu a prendesse. Talvez tenha pensado: ela está sempre tão cansada ultimamente, vou deixá-la um pouco só. Ah, poesia velha minha companheira, deixaste o vazio nas incontáveis horas e, querendo prosear comigo, apareceu a senhora dona crônica. Foi bem-vinda, tem sindo bem recebida mas, tu, Poesia, não tem jeito: estás dentro do que de mais profundo possa haver dentro de mim. É por isso que hoje deixo aqui um poema que escrevi nem lembro quando. Em matéria de versos, nada importa o tempo, mas sim o registro enquanto sentimento. Apresento-vos:
Meu Credo.

Hoje te falo das minhas certezas
Porque creio nelas.
Essa é a minha Pátria,
Meu credo,
Minha religião
Onde o Deus
- teu amor –
É meu refúgio.

Creio na força do deitar
Involuntariamente
Imprevisto em atos e desatos.
Creio no amor
Que inteiro se guarda e deságua
Na dor da saudade imprevista
Na fé de que o amanhecer existe.

Meu credo é tua chegada
Num minuto infindável
De um tempo sem limites.
Se acaso te vais
Fica uma parte tua
Que me envolve em sonhos
Na penumbra da noite
E na esperança
Do dia novo e inigualável
Que há de vir.

Meu credo é a certeza
De que és hoje
O que não pudeste ser outrora:
Um sonhar real e indivisível.
Meu credo é esperar-te
Sabendo que no momento exato
Há de consumar-se o inesperado
Em que as paredes serão meras coincidências.
Seguiremos juntos
Num vôo alheio a tudo e a todos,
Num lugar qualquer que criaremos
À nossa imagem
Pela semelhança dos gostos
De nossas vidas que se tocam.
Meu credo são nossas verdades,
Ainda que o mundo seja de mentiras
Meu credo é A - Mar - Te
Na certeza infinita
De sermos nós mesmos।

Poesia+prosa=Proesia।
Beijos para o final de semana

23 de abril de 2008

Simples assim.

Essa crônica de hoje pretende falar um pouco mais, ir além – coisa bem minha essa de esticar os assuntos e ainda detestar quem não me deixa falar - sobre um assunto banal e, ao mesmo tempo, maior que a alma da gente. O amor. Como escreveu Florbela: “O amor, ah, sim, o amor. Linda coisa para versos...” deixando a poetisa portuguesa de lado, a música citada antes é bonita. Começa assim: “Hoje eu acordei com saudades de você, beijei aquela foto que você me dedicou...” Tem coisa mais meiga? Pois é. E isso me fez relembrar meu primeiro amor ou a primeira vez que senti algo diferente por alguém. Bem adolescente, lógico. E para quem acha que eu nasci com essa cútis desbotada, é bom que saiba que já fui criança, jovem, já tive 14, 15 anos e tive, sim, minha primeira paixão e meu primeiro amor e que, hoje, com mais de 40, ainda amo e aprendo a sentir.
Como podem imaginar pela leitura da anterior, o Ronie Von foi quem despertou meus sentimentos mais bonitos. Acompanhado da ilusão, lógico, foi por ele que experimentei o sonho, a querência de tocar, a saudade, a impossibilidade – características do amor impossível, coisas do romantismo impregnado herdado de minha mãe, minha avó e de todas as mulheres que me precederam. Pois bem, nesses casos quase sempre há uma rival. A minha veio em dose cavalar: todas as meninas/moças/mulheres da época, alucinadamente apaixonadas pelo mesmo cara, o Ronie... Graças a Deus o esqueci entendendo que seria melhor um homem mesmo, de verdade, de carne e osso e menos famoso (para dar menos trabalho).
Depois apaixonei-me por um padre. Foi triste. Mais um amor impossível e, como sempre, as rivais. Dessa vez era uma só mas muito, muito mais poderosa do que todas as outras. Nada mais nada menos do que a Virgem Maria e vocês haverão de concordar que foi bem melhor desistir. É, eu era inteligente. Dizem que “contra a ignorância nem os deuses lutam”. Com rivais como essas, não era eu quem ia lutar, certo? Melhor tocar o barco das ilusões, a loucura e as vaidades do que entrar em batalhas amorosas assim complicadas. Foi mais fácil casar.
Casei-me, tive meus filhos, já sou até avó e isso alegra minha vida, meus dias, me refaz e perpetua. Casar-me jovem foi uma experiência incrível. Tive que desenvolver a responsabilidade bem cedo – casa, comida, roupas para lavar. Minha faculdade, o sonho de estudar Letras teve que ficar para mais tarde. Minha mãe dizia que era uma coisa ou outra. Estudar e namorar não podia. “-E quantos sofás tu achas que eu vou gastar até que te cases? Não, e não e não, nada disso, mocinha. Se namoras é para casar depressa. Quem tem marido não precisa estudar.” Mas eu estava apaixonada novamente e casei. Foi bom. Enquanto durou. A felicidade visitou-me diversas vezes. Algumas rivais também. Sobrevivi.
Mais velha voltei aos bancos escolares. Me formei. Hoje, as palavras me dominam, as mesmas que me perseguiam quando eu era criança e aprendi que quando se nasce para algo maior – no meu caso, as letras - não há força exterior que detenha. Ainda me apaixono e isso é tão bom agora porque me movimenta. Entendo, depois de passados os anos, que amar é bom, que estar em estado de amor é doce, maravilhoso, nos reconstrói e nos sustenta. Tão bom agora poder dizer-me apaixonada e não pensar nos triviais problemas do amor. Se eles aparecerem, palavras não me haverão de faltar e as lutas estão mais tranqüilas nesse tempo, o agora. Maturidade, madura idade, como é bom sentir o teu abraço!
Legal nesse meu presente é saber que estou viva, que terei sempre meus amores para recordar, como no filme, mas também, e principalmente, tenho o conhecimento para ter um amor para amar, só isso, simples assim. “Recordar é viver”. O que não se pode é viver apenas para lembrar. Bola pra frente. E viva o amor, tenha ele a idade que tiver. E viva a vida pois, como diria Fernando Pessoa: “venha o que vier, nunca será maior do que a minha alma.” Credo... de repente o Ronie Von ficou tão apagadinho. Eu, heim?

20 de abril de 2008

“Velhos tempos, belos dias”

“A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim...” Sim, a música é antiga. Se fossem pesquisar, veriam que é da década de setenta, do século XX (Eu acho...). Deus, como parece distante. Nossa Senhora, como está pertinho agora, diante de mim. 31 anos. Neste ano faz trinta e um anos que fui ao show do Ronie Von, no ginásio do SESC – lotadasso de adolescentes como eu, gritando histéricas pelo ídolo. Eu não estava assim excitada. Mal falava diante de tantas surpresas. Lembro que só olhava. E ouvia. Atentava para tentar compreender o que ocorria ali. Ele usava uma camisa de cetim branca, um cravo vermelho na lapela do paletó que tirou ante os gritos da galera. Momento mágico foi aquele. Mágico porque eu estava lá e nem sabia que estaria. Minhas amigas, com mais posse, compraram ingressos com antecedência enquanto o meu chegou às minhas mãos uma hora antes, pelas mãos de meu irmão, que os ganhara e resolveu levar a mim, já que o pai da namorada não permitira. Sorte a minha.
Nem vi minhas amigas. Elas foram mais cedo, pegaram os melhores lugares. Eu fiquei bem longe mas para mim era indiferente: eu estava ali, ouvia aquele barulho forte, que mexia com meus nervos e via aquele artista de carne, osso e pescoço no mesmo espaço que eu, cantando, me deslumbrando. Como eram lindos seus dentes, seu sorriso, tudo à sua volta. Como eu via encantador o mundo daquela gente toda, vivendo aqueles momentos, como eu me via ali, tão abstraída de minha própria vida pois aquela, com certeza, era uma vivência que eu jamais vira ou imaginara. Quando ele cantou “Love me Tander” em homenagem ao Elvis que havia sido assassinado há um mês, eu chorei. Ele também. E fomos todos naquela hora, a platéia inteira junto dele e do morto, um só.
De infância pobre, um ingresso como esses só ganhado mesmo. Também foi assim quando fui ao teatro pela primeira vez. Também eram assim as roupas que eu usava: a maioria delas, ganhava da prima que crescia mais do que eu e tinha até TV em casa. (Um dia ainda vou escrever sobre a experiência de ter visto a Pantera Cor-de- Rosa colorida pela primeira vez!) Maçã eu comia quando ia com minha mãe à cidade - era como ela chamava o centro de Florianópolis - e tinha que escolher entre a verde e a vermelha. Escolha complicada. Eu gostava tanto das duas. Maionese na minha casa, só aos domingos. Sobremesa também. O lanche que eu levava para a escola, era pão feito em casa com o que tivesse. No meu aniversário era legal: eu ganhava dinheiro para comprar no barzinho uma pepsi de garrafa. Dúvida cruel: eu também gostava de mirinda. Acompanhava esse refrigerante uma pipoca e a doce era a minha preferida embora o cheiro da salgada jamais tenha saído de minha memória.
A boneca da vez era a Susi. O sonho de ganhar uma era acalentado a cada Natal. Um dia ela chegou. Fora de uma prima distante, que possuía muitas e não lhe faria falta aquela que a mãe dela, minha madrinha, me deu de tanto que a segurei quando os fomos visitar em Joinville. Filha de costureira, aprendi a fazer roupas lindas para a minha Susi. Vestidos de noiva eram os meus preferidos, com véus longos que eu prendia na cabeça dela com alfinetes surrupiados de minha mãe. E pequenas flores que eu mesma fazia, com minhas mãozinhas magras. Sobrevivi a tantos quereres sem dor e não guardo trauma por não ter tido muitos bens que outras crianças de minha idade tiveram. Nas minhas recordações, há muitas presenças alegres, bem mais do que tristes, podem apostar.
Hoje me vejo mais velha. Meus filhos cresceram num mundo mais fácil para se viver. Sempre tiveram o que lhes pude oferecer – nada muito valioso, nada paupérrimo também e tudo o que lhes dei foi a custa de muito trabalho. Conhecem teatro, freqüentam cinema, nunca lhes faltaram livros – objeto de decoração na estante da minha casa em criança, e raros! A mais velha quis ser bailarina, o do meio aprendeu um pouco de judô, ambos gostaram por um tempo de música e aprenderam a tocar piano e teclado. O mais jovem faz inglês e passa horas diante de um computador “vivendo” um ambiente esquisito, tão diferente do que foi o meu.
Entendo que são felizes no mundo deles e que a tecnologia vem se desenvolvendo para ajudar o homem a ser mais independente, porém sempre me pergunto: o que será dos meus netos neste mundo individualista e frio das telas dos computadores, dos homens mais calculistas, competitivos?
Pulo aqui as fases tantas que foram vividas em 31 anos. Não é plausível para uma crônica listar assuntos tão variados mas, quero lançar um questionamento simples: será que nossos adolescentes e crianças lembrarão 31 anos depois do primeiro show que foram, do que sentiram, do que choraram? Será que lembrarão de algum brinquedo especial nesse lugar de vivências em que tudo quebra em dois dias e onde tudo perde a graça tão depressa? Na era do Enter e do Del, de que recordarão meus netos? Jovem eu escrevia em cadernos minhas primeiras poesias e as tenho até hoje, lutando anos contra baratas, fungos, traças, mudanças. Pobres cadernos furados que guardam minhas palavras e pensamentos. Fedem a tempo, dizem os mais tenros. Cheiram saudade, afirmo com certa meiguice. Hoje ainda registro em papel escrito as maluquices que escrevo. É minha letra, gente! Minha caligrafia faz parte da história da minha vida.
O computador é traiçoeiro. Os vírus matam os textos e as construções de cada ser e, pior: os mais jovens não dão bola. Faz-se outro, compra-se outro, esquece-se. É a vida! Eu discordo. A vida é o que se registra e se guarda para provarmos que existimos, que passamos por aqui. A vida é composta por retratos em papel, por folhas e canetas, por elementos simples que estão sendo deixados de lado em prol do que chamam modernidade. 31 anos depois do Ronie Von e da morte de Elvis, “eu me lembro com saudade o tempo que passou, tempo que passou depressa mas em mim deixou, jovens tardes de domingo, tantas alegrias, velhos tempos, belos dias...”.
É lógico que não posso mais voltar àquela praça. Ali existe hoje um prédio. É óbvio que não vou obstruir o progresso em nome de meu saudosismo. É claro que não pretendo envelhecer numa cadeira de balanço sofrendo pelo que mudou, mas uma coisa quero: que as pessoas valorizem mais o ser do que o ter, que um beijo seja mais importante do que um jogo novo, que um livro seja mais interessante do que um resumo pego na Internet no domingo à noite para a prova de segunda.
Não resumam suas vidas. Cantem mais as boas músicas, pesquisem mais, conheçam a história de seus pais, conversem com os mais velhos, utilizem mais canetas do que CDs, montem álbuns com fotografias - não no orkut – sejam mais gente do que robôs e um dia, espero, nos encontrarmos para lembrar deste tempo, o de agora, em que nossas vidas, através dessa crônica se cruzaram e tocaram seus corações. “A gente vai crescendo, vai crescendo e o tempo passa e nunca esquece a felicidade que encontrou. Eu sempre vou lembrar daquele banco lá da praça...” Por onde andará o Ronie Von? Se alguém souber, comente!

Um aceno ao passado.

Não é que eu queira ser romântica, mas com o tempo descobri que saudosismo nasce com a gente, se desenvolve e multiplica. Diria até mais: cresce feita praga, erva daninha mesmo, sem remédio que dê conta.
E hoje me pego num desses dias em que a saudade é amarela, de doer. Convidada ao exercício da escrita – devo “cometer” uma crônica – o tema me reporta à infância e se há coisa danada para despertar esse sentimento acre-doce, é a tal primeira idade, a dos sonhos, a da vida que não passa e que, ao mesmo tempo, voa, afinal, quando nos damos conta já se foi o aniversário de quinze, a carteira de motorista por anos almejada está ficando poída e os fios prata entrelaçados aos cabelos já são em maior quantidade que há um tempo.
Mas há lago ainda pior: as pessoas que vão embora e levam consigo sonhos também nossos, outrora compartilhados, momentos vividos, ainda vívidos, ávidos por serem revistos. Às vezes mágoas, sim, que somos todos normais mas, acima disso, e entre tudo ficam as lembranças, as vivências, o que foi experimentado.
Então meu coração de menina grita num aceno ao passado e me vejo com doze anos, à noite, no quintal da casa, entre as árvores. Incumbida da tarefa de dar de comer ao gato, o medo me dominava. E isso acontecia todas as noites. Uma vez foi horrível: meu corpo magro e desengonçado de pré-adolescente eletrizou-se após ouvir um som forte. Parecia uma onça, juro!
Saí correndo, assombradíssima, para o aconchego e a claridade da casa, aos gritos, rezando, branca como cera. A seguir, morrendo de rir ele entra, me acalma, aconchega-me em seus fortes braços. Sinto seu calor, o cheiro da loção após barba e nossos corações tocam-se num enlace, ao mesmo tempo em que ouço sua voz melodiosa dizer-me: calma, calma, era só uma brincadeira.
Hoje já tenho filhos e eles também têm gatos. Nossa casa, um quintal com árvores bonitas e, quando os assusto nas noites, brincando de ser criança, sempre lembro dele. É, e vem aquela saudade doida de ti, meu pai.

17 de abril de 2008

Por que a crônica?

Meus melhores momentos literários me vêm à noite. É na hora da calma, depois que o mundo dorme, que meu cérebro – lado direito, esquerdo, o meio, sei lá – começa a funcionar em escala de palavras ou aleatoriamente elas ficam a borbulhar ali. Borbulham, mudam-se, reviram e mexem-se até que me vejo (ou via?) poeta. Palavra vai, palavra vem e aquilo me incomoda e encanta tanto que não tenho como fugir. Então escrevo. Poesias. Convém dizer que isso não acontece assim como estão imaginando: oh, ela exercita a escrita todos os dias, faz dez poemas por noite. Nada disso, como já disse são momentos literários e isso pode eclodir a seu bel prazer, não é de meu domínio. Graças a Deus, senão já seria escravidão e disso não gosto! É bom explicar também que para tudo em minha vida, é necessária uma grande paixão. Ou estou envolvida com um projeto de vivências, ou a escrita fica no grau zero, como diria Barthes.
Meu diário, ou o que deveria ser lido como, mas não é porque simplesmente recebe minhas “inspirações” uma vez ou outra, deveria ser chamado mensanário, ou trimestranário – eu o chamo de qualquer coisa que possa soar lugar de escrita, algo do tipo: meu caderno de chororô, com seus registros muitas vezes absurdos e triviais, sentimentais, mais vezes, prosa poética para uma única pessoa que permiti ler. Pois bem, em suas páginas há sempre, ou quase sempre, um mesmo começo: “É noite...” ou então, “E é noite novamente” , com algumas variações e semelhanças. Em prosa, lógico. Raramente é dia quando escrevo, o que me leva a crer que a noite em sua escuridão me ilumina.
Todavia, há alguns dias venho sido acometida de uma grande novidade: tem me vindo visitar nos horários mais inusitados, a prosa, mais precisamente, a crônica. Confesso que até estou assustada. Como as palavras, essas danadinhas que estão ali, todas dentro da gente, agora, em mim, resolveram organizar-se em parágrafos e linhas cheias? Logo comigo isso foi acontecer. Logo com uma pessoa que preferia distribuí-las na folha livremente – uma numa linha, a idéia daquela escorregando na outra, um ponto de interrogação entre vírgulas lá no fim da página. E eu que era (?) poeta passei para o lado da prosa. Sou uma vira-casaca literária e estou gostando disso, o que é bem bom.
Não que eu nunca tivesse arriscado. Nas poucas vezes que tentei a prosa, tive até dor de cabeça, coisa rara em mim. Uma vez senti isso por nove longos dias até que terminei um conto de sete páginas. Chamei-o Caleidoscópio. Na verdade era como eu me sentia, toda dividida e misturada ao mesmo tempo. O conto foi bonito, gostei dele, gosto até hoje embora esteja tão reflexivo que muitas pessoas que leram não o conseguiram compreender. Só eu sei o quanto aquilo tudo me custou em neurônios. Se eu fosse escrever um romance, expiraria com certeza pois não tenho fôlego para tanto, os próprios personagens me internariam e eu morreria à míngua num hospício podre e barato de subúrbio. Com a poesia sempre foi mais fácil. Poucas palavras, muita subjetividade e pronto: lá estava ela prontinha e, melhor: dizendo o que tinha que ser dito, sem mais delongas. Agora, a essa hora da noite, aos plenos 43 anos de idade, me vem a crônica como um presente todo embrulhado com papel doce e fitas multicores, gritando para ser aberto e eu posso dizer que estou apaixonada outra vez. E comigo é sempre assim, tem que haver sempre uma paixão que me mova para eu continuar caminhando. Nesse caso, escrevendo, o que pode até dar no mesmo. Bom, acho que tive uma nova idéia!

16 de abril de 2008

Com prazer é mais barato.

“O grande prazer da vida é fazer o impossível”. Era essa a frase de estímulo que estava no meu orkut dia desses. Grande consolo, não? Sim, e também grande verdade, afinal, o possível todos fazem a cada momento. Fazer o possível é o comum, das gentes que há aos montes por aí. – Vou fazer o possível, senhora. - Senhora, mantenha o nível da conversa, estou fazendo o possível. – A senhora tem que entender, estou atendendo a todos e fazendo o possível.
Fazer o comum o tempo todo é o cúmulo do absurdo numa sociedade como a nossa que exige de nós e faz com que exijamos dos outros a cada dia que sejam mais rápidos, mais inteligentes, mais leitores, mais competidores, mais espertos, ágeis e o escambau. Tudo isso para sobreviver, fazer de conta, melhor dizendo.
Digo isso porque sou daquelas que sente correr nas veias a necessidade de fazer mais, um pouco mais, um tantinho a mais. E o reconhecimento? Vem com o tempo, já dizia a minha avó. No trabalho, atividades diferenciadas para eliminar a mesmice de anos nem sempre são vistas como fazer o impossível. Logo aparece alguém que puxa o teu tapete. Porque fizeste o impossível? Não, porque apareces demais.
Enfim consegues, após anos de trabalho duro, comprar um carro zero ou uma casa nova e aí vem aquele teu amigo e te larga a frase fatal: hummmmm, roubaste bem, heim? Na verdade, enquanto o desgraçado dormia após ter feito o possível, tu estavas fazendo o impossível, desprezando a saúde, o lazer, a família, deixando de lado por falta de tempo o amor, o sexo, a beleza, o viço da pele.
Em janeiro, depois de duas crises de pânico durante o ano - de tanto corrigir provas e preparar tarefas interessantes para fugir do trivial - recebes as férias e segues viagem para a praia do sonho – único lugar que teu dinheiro conseguiu alugar. Ali é que passa aquele vizinho barrigudo num corcel II azul piscina desmontável e te diz: - profissão boa é a tua, férias de dois meses no verão e mais um no meio do ano.
Ou seja, tu passaste o ano inteiro tendo reuniões e cursos em vários finais de semana, tomaste calmantes, vitaminas, ferro, cálcio e antidepressivos para agüentar o tranco, leste vinte e cinco livros deferentes – obrigatórios e quase sempre chatos - para, no merecido descanso, com sono atrasado e querendo só um pouco de paz , teres que ouvir isso. Por quê? Simples: para estar ali, fizeste o impossível 200 dias letivos e em mais outros 90, no mínimo, treinamentos, palestras ou capacitações que mais te davam vontade de cavar um buraquinho e sumir por ali mesmo. Mais valia ter deixado os ouvidos e os olhos em casa e colocado para tomar sol aquilo que do corpo sobrou: a casca ressacada e fraca.
E é assim, infelizmente, que a vida segue e nossa raiva vai sendo testada a cada amanhecer. Pior, corremos o risco de ir endurecendo ao ponto de em mais nada acreditar e aí é que mora o perigo. Faz-se necessário dosar, equilibrar mesmo nossos afazeres e não dar muita bola para a torcida contrária que nunca é pequena, saibam!
Dar seqüência a esforços pelo bem de quem está por perto, que precisa de ti e te valoriza mesmo sem nada dizer, é dever de cada cidadão. Por isso a frase do orkut chamou tanto a minha atenção. É com prazer que devemos agir. Com prazer a vida fica mais suave, mais saborosa e até mais barata (ao contrário do que dizem as más línguas!). Com prazer a gente nem percebe que está fazendo o impossível todos os dias porque de banalidades há muitos sacos cheios por aí.

15 de abril de 2008

Podemos dizer não.

Hoje decidi que começaria minha crônica assim: “atenção nascidos sob o signo de virgem.” No entanto aí já estava com um problema: se o tema sobre o qual eu gostaria de tratar era a quase incapacidade do ser humano de dizer uma pequena e simples palavrinha – o não – por qual diabo de motivo eu começaria minha crônica falando de signos? Faz séculos que não leio nada sobre isso, nem o jornal abro nesta página. Mas hoje abri uma da Internet propositalmente e lá estava:
“Muito do que você plantou nos últimos tempos pode chegar a partir de agora as suas mãos. Essa promessa é da Lua crescente que aconteceu ontem. Já hoje terá sinais: seu desconfiômetro está excelente. Saberá quem de verdade lhe dedica amor e quem só finge, por interesse ou leviandade.” Fingimentos.É isso aí. Por isso comecei assim,agora entendi.
Não desrespeitando a astrologia, que é uma prática milenar e nem tocando em assuntos aos quais conheço pouco como o oráculo, búzios, meditação da lua, quiromancia (mesmo conhecendo aquela cartomante M A R A V I L H O S A !), tudo o que quero dizer, o cerne do texto – para usar uma palavra mais elaborada – é a capacidade ou a incapacidade do ser humano de dizer nãos. Ah, querem exemplos? – Tu poderias emprestar teu nome para eu comprar meu tão sonhado notebook? É que meu nome, sabe?, minha mãe sujou. Então a gente pensa: puts, isso vai dar zebra mas, diz sim. E, normalmente, entra pelo cano. Se o cara não soube cuidar do nome dele, por que haverá de saber fazê-lo com o nosso? Ou, pior, sabemos que ele está mentindo. Comprou o céu e a terra e não honrou compromissos e ainda vem colocar a culpa na mãe? É caloteiro e mentiroso mas nós, bonzinhos que somos, dizemos sim. E sofremos por 24 meses recebendo cartas indesejáveis.
E quando o amor da nossa vida chega bem de mansinho, com aquela cara de safado, de desejoso, de arrependido - depois de uma briga intensa que nos magoou até o primeiro fio de cabelo do útero – e vem nos beijando toda sem dizer palavra pensando que os atos valem muito mais, nós cedemos, abrimos a porta, o coração, os poros e outras coisas e o recebemos, quando em nós grita a vontade correta de dizer que não. Mas, tolas, dizemos mais uma vez, também sem palavras, o sim do qual nos arrependemos duramente ao dobrarmos a esquina no dia seguinte e virmos o “charmoso” no bar, batendo aquele papo com as amigas, motivo do desentendimento anterior.
Sim, é mais fácil dizer sim. A alma implora que digamos seu contrário, o coração pula dentro do peito para gritar o sonoro monossílabo da negação, a boca seca de raiva porque não conseguimos, mesmo sabendo que iremos nos arrepender depois, o que dói muito mais. É o sim que nos move enquanto os outros nos negam direitos que sabemos possuir. É o sim que dizemos porque aprendemos a ser bons, mesmo que o mundo seja inteligente e ruim. É o sim que proferimos diante de tantas certezas de que o não seria mais humano para nós. Diante disso, sofremos porque dizemos quase sempre, o que não gostaríamos de dizer para não ferir o outro, para não magoar. E dizemos o sim para magoarmos a nós mesmos, uma desvorização do “eu”. A psicologia explica com Freud e tudo?
De nada adiantarão a astrologia, a parapsicologia, a holística ou o espiritismo se você não descobrir dentro de si mesma quem você é e o poder que tem. Portanto, não seja mais uma bobinha e use – com moderação – mas sempre que sentir aquela certeza que vale a pena. Uma palavrinha tão pequena, porém que poderá modificar tudo, afinal tem um significado imenso: não. Faça isso por você, ao menos uma vez e sentirá, perceberá o que estou tentando dizer aqui. Bons vôos!

14 de abril de 2008

Amor-perfeito sortido

Uma amiga minha, a que chamei ficcionalmente Margarida, me escreveu e anexou uma foto em que aparecia num vestido sem mangas, de simples corte, com a estampa de amores-perfeitos de variadas cores. Perguntava-me o que eu achava de seu modelito. Sua imagem ali, fria de tela, tocável, porém nada sensitível (essa palavra existe, ou isso é efeito de madrugada solitária e reflexiva???) , me fez lembrar o passado e acenar para ele que se impunha triunfante. (O passado muitas vezes triunfa sobre nossas cabeças). Eis que me pus a recordar e assim, bem assim, respondi à minha boa amiga:
Pois eu me peguei no sábado, vendo sementes num supermercado e lá havia um pacote, um somente, de amor-perfeito-sortido. Fiquei ali, parada, lembrando de nós duas comprando sementes no mercado público. Pensei também nessa metáfora - que feliz seriam todas as pessoas se além de um amor perfeito, ele fosse sortido assim: um dia, a radiância, (hoje dei para inventar palavras?) no outro a exuberância, no seguinte a firmeza que queremos do outro, numa manhã, o azedume engraçado, na tarde azul, um tom de outono no olhar, na outra noite, um beijo poderia ser o bálsamo para um dia de cansaços e solidões, num domingo um despertar mau humorado poderia ser resolvido com um café na cama e a flor do jardim faria as vezes do belo ramalhete sonhado, talvez, por anos a fio. E que, assim livremente, floralmente, todos os seres se completassem, que o amor não fosse um problema e sim, um acalento. Que os viventes se amassem mais e percebessem a importância de sentir. Em silêncio, talvez, com gritos de ânimo , se fosse o caso, mas que todos e todas descobrissem que podemos nos vestir de amores-perfeitos sortidos como teu belo vestido e desse jeito até um tanto piegas poderiam ser também os nossos corações. É à mulher e sua sensibilidade que cabe o dever de desarmar o mundo. Estás linda vestida de primavera em pleno outono, Margarida!
Estou esperando a resposta. Sei que virá mas também que pode demorar, pois a vida corrida não nos permite tanto para responder a tudo. Quando minha amiga vier novamente através da tela e deixar as palavras que sentiu no viés das minhas, vou me sentir mais completa porque as palavras, assim como as cartas - já dizia Fernando Pessoa - precisam de respostas. Enquanto isso não acontece, abro a cortina da janela do meu quarto. Tudo é silêncio nessa noite calma em que o sono fugiu. Todavia penso que amanhã haverá de ter sol e eu posso voltar ao supermercado e comprar as sementes que haverão de florescer na primavera para eu poder mostrar aos meus amores a perfeição que a natureza nos dá, mesmo que, muitas vezes, não paremos para admirar.