17 de outubro de 2009

Uma Rosa, com amor.

Uma Rosa, com amor।


Talvez a morte tenha mais segredos
para nos revelar que a vida.’

Fleubert

“Tudo o que sei é que devo morrer em breve; mas o que mais ignoro é essa mesma morte, que não saberei evitar.” Assim escreveu Blaise Pascal. Quintana, o poeta da ternura deixou dito sobre as mil mortes que vivemos, numa frase de um poema canônico: “Da vez primeira em que me assassinaram, perdi o jeito de sorrir que eu tinha...”. E nós, pobres e medíocres escritores de cozinha, que diríamos sobre a morte nossa, essa “indesejada das gentes”¿
Estava aqui pensando sobre as tantas vezes que morremos em vida. A morte nossa vem a cada dia. Quanto mais se vive a vida, mas se avança para ela, afinal. No entanto, morrer assim de repente é comum. Digo morrer um pouco, morrer por dor de dentro. Morremos quando alguém nos ofende. Morremos quando alguém nos trai. Igualmente morremos um bocado quando alguém morre de verdade. Já vi tantos dos meus irem embora sem que sequer me tivesse sido dado o direito de me despedir. Morremos quando um amor se vai, quando um sonho despenca da nuvem, quando uma esperança se dissolve no ar bem na nossa cara feito bola de sabão. Morremos, sim, a cada dor, a cada insatisfação, a cada frustração. E nos diluímos em lágrimas por cada uma dessas mortes até que revivemos, como fênix. Meio sem penas, com as asinhas chamuscadas, capengas, revivemos, respiramos, arregaçamos as mangas, tomamos calmantes e seguimos. Nem sei se em frente, mas por onde se possa caminhar ou navegar, já que é mesmo preciso.
Assim, já morri muitas vezes. Ao ver meu pai num caixão, ao velar amigos e até mesmo, quando criança, ao pensar na morte como coisa certa para a vida – que coisa mais errada isso, meu Deus! – a única certeza que me foi passada foi sobre o fim. E meus começos todos, pensava¿ Sofri a dor da ideia de saber os meus mortos futuros, cadáveres adiados. Chorava, esperneava em vão. Depois vieram de fato as mortes menores. Amigas me trocaram por outras. Casamento se foi. Novos amores bonitos também acabaram e a cada vez que isso tudo ocorreu, morri. Fui assassinada em meus sonhos mais puros e nada há de mais belo num ser assim efêmero do que seus sonhos. Vi-os mutilados, arrebentados, cacos de vidro dispersos no chão. Juntei, colei, tão longe da perfeição. Acho que muito mais colei a mim, pedaço a pedaço, para renascer. E renasci assim, meio morta-viva. Reaprendi a sorrir enquanto no chuveiro, chorava. Agarrei-me no sorriso dos outros, peguei carona na alegria alheia, maquiei minha face e minha alma e saí para dançar. Encontrei a vida e a morte sempre juntas porque são, de fato, amigas inseparáveis.
Vivo hoje a maturidade. Ainda consigo conceber a ideia de sonho. Uns morreram, outros nasceram. Nenhum reviveu mas, os trago comigo nos poemas que escrevo, naquilo que penso quando o mundo já dormiu, no que marquei em minha vida, essa breve passagem.
Marquei lençóis com meus bordados, na juventude. Monogramas que o tempo rasgou. Frisei rostos em papel fotográfico que haverão de amarelar um dia. Teci casaquinhos para os filhos que cresceram e ganharam asas. Costurei cortinas para a casa que também morreu com o amor. Pousei beijos em faces tantas e com tanto carinho, porém alguns ficaram fixos apenas na minha memória que não morre. Tatuei um amor, um sonho, que hoje é saudade. Minha rosa vermelha no pé direito representa hoje todas as flores que também – atitude de gente que quer se fazer eterna – fixei na terra, ainda que ciente de sua efemeridade. “Tudo passa sobre a terra.” É frase literária e certeira. Eu também vou passar, igual ao rio que se perde no mar.
Em algum dia eu também vou morrer, meu corpo se tornará adubo para flores, como no filme e, assim como tive desejos para a minha vida, tenho alguns para este dia.
- Tragam-me flores, muitas. Coloquem sobre meu corpo os poemas que escrevi, ao menos alguns deles. Fotografias em que esteja sorrindo mostrando que embora morta muitas vezes, meu rosto tentou disfarçar e concebeu vida a outros. Chorem tudo o que tiverem que chorar lembrando que eu mesma fui sempre a rainha das lágrimas. Só não sofram além da conta. Para quem em vida tantas vezes foi assassinada, estar a caminho do além não deve ser coisa ruim. E vou em paz! É assim que penso e pronto! Mas uma coisa, deixo dito, não façam: Não me coloquem meias e não cubram meus pés. No meu pé direito há uma flor. A mais importante de todas. Muitos em vida sequer a perceberam, mas no dia de meu velório, deixem minha rosa à mostra. Somente essa flor é essencial. Se quiserem dizer algo, digam um trecho de “O pequeno Príncipe”: “Se você ama uma flor da qual no mundo há um exemplar somente, isto basta para que sejas feliz quando a contemplas.” Essa é minha oração de cabeceira. E que os que ficam não se deixem morrer tão fácil. Amém.

7 de maio de 2009

HISTÓRIA DE MULHER



Nasceu pequenina, miúda, franzina. Comentário na vizinhança: - Leva pra benzer. Esta menina é embruxada...
De nada valiam as reforçadas comidas que a mãe preparava nem mesmo as homeopatias que o pai fazia.
Foi crescendo. Entre outros irmãos, era a mais velha. Ia para a roça, apanhar café, catar mata-pasto, cortar trato para o gado.
Brincar ? Só aos domingos e tinha que voltar antes das cinco.
Aos quinze anos, perdeu o pai. Ficaram seis filhos para ajudar à mãe. E a menina miúda sem corpo de mulher teve que ver seu trabalho dobrar. Agora era questão de sustento. Lavava, passava, fazia bolos, pães e tinha que dar banho nos irmãos menores.
Falava mal! E a mãe dizia : - "Cuidado! , vais te casar e ter ainda uma ninhada como eu tive!
Dezesseis anos.
Aprender costura com a tia mais velha. Profissão.
Dezoito anos.
Casou-se. Estava na hora. Precisava formar família, ter seus filhos.
Decepção. Seu par não era tão perfeito. Continuou lutando, costurando...
Detestava fazer roupas para homem, e pensava: faço os vestidos para fora e, com o dinheiro, pago as calças.
Primeiro filho: homem. Segundo: homem. Terceiro: homem.
Tomou uma calça velha, desmanchou, aprendeu o corte e começou a vestir, sem gastar muito, seus homenzinhos que mais pareciam princepezinhos mesmo vestidos com sobras ou reformas de roupas velhas.
Dificuldades sempre.
Mudou-se na esperança de uma vida melhor. Veio o quarto filho: homem. Parto difícil. Quase se foi.
Sofria. Longe de casa, sua cidade, sua mãe...
Quatro filhos, falta de emprego. Cidadezinha pequena e pobre. Ninguém, pagava costuras.
Sofreu a fome, a miséria, a humilhação mas, ergueu sua cabeça e prosseguiu.
Mudou de cidade, melhorou de vida e veio-lhe mais um filho.
Nasceu menina!
Pequenina, miúda, franzina. - "leva pra benzer. Essa menina é embruxada!
- Princesa embruxada, amada, sonhada!
A vida melhor, enfim, deu um passo à frente. Lutava!
Costurava. Fazia pirulitos, pipocas. Já tinha meninos maiores para ajudar a vender.
Marido bebia, caía na rua, fazia escarcéu e ela, forte, sempre.
Voltaram para a terra natal. Mais um filho: homem novamente. Bola para a frente!
Finalmente foi reconhecida na cidade maior, costureira de mão cheia, freguesas ricas, muito trabalho sempre.
Quarenta anos: mais um filho. Sonho de ter uma outra menina. Gravidez de risco. Tratamentos, vitaminas.
Nasceu menina! Era o sonho realizado. Fim da trajetória mas, era preciso continuar lutando.

O marido adoeceu. Virou enfermeira. Enfermeira, costureira, cozinheira...
Filhos criados, bem encaminhados. Comerciantes, professora, contadora, coronel...
Marido se foi. Sofreu a tristeza, o vazio, a depressão. Tratou-se, rezou, venceu!

Nunca fez cursos profissionalizantes. Estudou até a Quarta série primária, esqueceu seus sonhos de menina, não ganhou a boneca de porcelana, driblou mil crises, viu a moeda mudar várias vezes, ouviu pelo rádio tantas notícias tristes sobre seu país porém, sempre manteve a honestidade e dignidade pela vida afora.

Tem hoje 16 netos e quatro bisnetos, aos 72 anos.

Conto-lhes esta história porque é verdadeira. Aqueles princepezinhos, todos os vi passar por minha vida e essa mulher maravilha é minha mãe. Dizer que sem ela eu nada seria é quase cair no lugar comum, mas sem seus ensinamentos, meu caráter não teria sido formado e a minha sede de lutas jamais se propagaria. Foi ela quem me ofereceu os primeiros livros, quem me ensinou, entre outras coisas e em meio a tantos afazeres, a ser mulher. Ela é meu exemplo, meu outro eu, sempre presente, o colo que ainda preciso, o espelho em que me vejo para conseguir a cada dia tornar-me melhor.
Na semana do dia das mães, te abraço, minha mãe, como se pudesse ofertar esse carinho a todas a mulheres-mães do mundo com a certeza de que Deus olha por todas, por todas nós.

Roseli Broering, filha, mãe e avó.


24 de abril de 2009

Olá, quer teclar?







Olá, quer teclar?

“A literatura é essencialmente solidão. Escreve-
se em solidão, lê-se em solidão e, apesar de tudo,
o ato de leitura permite uma comunicação
entre dois seres humanos।

Paul Auster.


François Mauriac, provavelmente num momento solitário de escritura deixou dito que “Cada um de nós é um deserto।” A solidão do mundo moderno tem levado milhares de pessoas a procurar modos de domá-la, essa fera invisível e dolorosa. Assim, muita gente tem procurado a Internet para encontrar alguém com quem conversar nas noites ou momentos de insônia da alma. É a palavra escrita enviada a longas ou pequenas distâncias, porém não menos significativas.
Da terra do sol nascente, um escritor deixou grifado que “A solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso próprio egoísmo.” Questiono-me acerca dessa modernidade, das facilidades desse mundo repleto de opções. A noite, os dias porque não dizer?, estão recheados de modelos de diversão – bares, boates, botecos, danceterias, shoppings e afins.
Se há um universo que favorece o conhecimento das gentes, o que leva certas pessoas a procurar no recanto de seus lares, através da tela e das teclas de um computador, a companhia desejada ou sonhada? Seria o medo de tentar, de arriscar? Não sei, mas há algo estranho no ar. Estranho e mágico, vamos ler?
Já conheci muita gente que viveu ou contou histórias sobre relacionamentos que começaram no virtual e tornaram-se reais com direito a felicidades plenas. Já ouvi também muitas outras narrações de gente que entrou pelo cano com patifes que se faziam passar por outra pessoa via rede. A conhecida de uma amiga minha foi conhecer o espanhol por quem se apaixonara via tela e voltou com uma aliança de 30gm de ouro no dedo da mão direita. Largou o namorado enrolão no Brasil, o emprego na universidade, deixou uma banana para o ex-marido, pegou as filhas e está vivendo em uma rica mansão em Madrid – e feliz! Outra teclou numa noite de insônia aquele que dizia ter sonhado anos a fio com um par de olhos negros. Conheceram-se pessoalmente numa noite de junho, na Ilha de SC. Passaram horas conversando, beijaram-se, namoraram, noivaram e estão casados até hoje. Ele jurou a ela que encontrara finalmente o par de olhos há tanto buscado.
E assim, na vida real se vai ouvindo tantas histórias de gente que jamais se conheceria se não fosse o advento Internet. Mundo distantes que se encontram, teclas que se unem, telas que se beijam, mãos virtuais que se tocam e sentem, sentem de verdade. Nesse mundo considerado estranho por muitos, atrás de cada computador há , de fato, um ser real, que, como tal, lógico, pode estar ali para o bem e para o mal. Há um provérbio que diz que “Estar em correspondência com um ausente equivale a encurtar metade da distância que dele nos separa.”
Nunca as distâncias se tornaram tão presentes, no entanto também (e sobretudo) nunca as ausências foram tão encurtadas, jamais as pessoas buscaram tanto pelo desconhecido que quer fazer-se conhecer com seus mistérios e delícias como nesse mundo da modernidade. Será a solidão?
A busca do “famoso” par perfeito prossegue. Há sites e mais sites de relacionamentos prometendo que ali se encontrará a metade da laranja, a outra face, a completude. Neles se pode ver o perfil do (a) candidato (a) a ser o dono ou dona do seu coração. Das frases de chamada mais engraçadas às mais sérias, das fotos mais sensuais ou ocasionais ou mesmo os sem rosto, um fato se percebe claramente: a busca incessante pela felicidade a dois, pelo carinho que qualquer ser humano precisa, pelo afeto que as palavras podem trazer junto ao alívio a corações que já buscaram tanto no mundo real e, talvez até por pura timidez, não encontraram. No despertar da curiosidade, ali, diante da tela, escrevem e soltam seus sentimentos. E Lêem o que vem do outro a compartilham o que o outro tem para dar. Nesse jogo interessante, mentiras ou verdades? Pouco importa.
Nunca os seres humanos tiveram tantas oportunidades de se expressar como agora. É a tecnologia a serviço do amor, quer seja ele virtual ou torne-se real, mas sobretudo a serviço da palavra e ela não foi feita para dividir ninguém. Aqui, na Internet, mais do que nunca “palavra é uma ponte onde o amor, vai e vem.”
E por falar nisso, com licença. Também eu estou à procura do meu par perfeito. Estou ou estava? Bom, acho que encontrei... Ah, palavra bendita, santo computador. Amém.



30 de março de 2009

AO ÓCIO E AO ÓDIO, OBRIGADA.




"Nunca devemos ser duros demais quando queremos que o coração do outro se abra."
Há certas horas tão lentas, tão tristes, em que me pego a refletir sobre palavras, expressões e seu peso ou a leveza delas quando chegam aos nossos olhos ou ouvidos. Por não ser mais leitora desavisada e por acreditar que nenhuma leitura é inocente, quis hoje escrever sobre algumas palavras. Palavras que, com seu peso ou a leveza de uma bolha de sabão, podem nos render lágrimas ou sorrisos fartos. Prefiro ainda os sorrisos, ou melhor, os frutos que elas, as palavras, árvores que são, podem render. Para o bem, é claro!
Vamos a algumas delas, caro leitor – caros leitores – se preferirem. Escolhi as que começam com a letra “O” porque com essa letra começa a palavra OBRIGADA.
OBRIGADA a Deus porque algum dia quis estudar LETRAS e, por isso, mudei minha vida, segui um caminho e tenho uma profissão, uma OBRA – resultado de uma ação - um trabalho, ou vários. Profissão não OCIOSIDADE – que também começa com “O” mas significa o contrário, desocupação.
Com “O” também temos a palavra OGRO. Muito em moda na juventude atual, significa Bicho-papão. Façam-me rir! Temos a versão feminina, OGRA. Homem ou mulher, diz-se do Bicho-papão também ser um ser fantástico, ou seja, que não existe de fato. Isso me lembra anônimos, gente que não se mostra, que não assina, que não assume. Há tanta gente assim OFENSIVA que ataca, que agride. Há também gente OCA. Vazia e tão insignificante que necessita se OCULTAR, pois é no esconderijo da alma que reside seu maior ideal.
O ÓDIO, esse sentimento repugnante, essa aversão geradora de energias negativas, sempre se volta contra quem o sente. Nesse ínterim, prefiro o amor que me traz OBJETIVOS mais interessantes na linha da emoção na qual vibro, pela alegria de estar viva e feliz e a qual compartilho com os que amo e que me amam: filhos, amigos... Amar é uma OBLAÇÃO, essa dádiva!
Tudo depende do OLHAR, de como se olha, do ponto em que se olha. Olhar é contemplar, admirar, examinar, estudar. OLHAR é parar para OBSERVAR aquilo que em nós produz satisfação, não tédio, não desdém, nem desafetos. OLHAR é também cuidar e a gente cuida de quem ama, com ORGULHO, mão no peito que vibra pela vitória do OUTRO que nunca é o mesmo, que é diferente, que é o teu semelhante e tem tudo para ser maior e melhor do que a gente mesmo. É nisso que eu acredito.
Todos já ouvimos falar que “a palavra é prata e o silêncio é OURO”. E é diante disso que páro meu texto. Lanço o meu OLHAR de carinho ao meu semelhante pronta para OFERECER toda a minha compreensão. Não somos capazes de prever o futuro pois ele está OCULTO. Misterioso, sobrenatural, é um OCEANO de surpresas pelas quais devemos aguardar, jamais julgar. Feliz de quem não está preso ao ÓCIO, ÓBITO dos sonhos. Felizes daqueles que acreditam na OBRA e seguem seu caminho em paz!
Roseli Broering

22 de março de 2009

Oportunidades



Oportunidades.

Tudo aconteceu quando eu estava lendo no computador, essa máquina maravilhosa e maldita, para os planejamentos da minha semana. Planejar os sete dias vindouros pode significar muitas coisas: as aulas, um possível encontro com alguém de quem eu goste, um novo emprego, o que vai sobrar de tempo para relaxar, ler ou até ir à praia. Planejar é um verbo bonito, mas que na prática, nem sempre funciona. O ser humano é assim, vive fazendo planos e muitas vezes não se dá conta que na grande maioria das vezes, quem age mesmo é o acaso, que se chama destino também ou sei lá o quê, só que vem de repente e surpreende-nos. Comigo é assim. E foi também assim que me veio a idéia de uma nova crônica. Não que falasse sobre planos, mas sobre as almas e os corpos que, sem planejar, se encontram e desencontram na vida.
Estava nessa quando li a frase de Victor Hugo: “A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace.” As almas têm o enlace. É isso. E pronto. Ou há ou não há. Enlace é palavra mais bela que encontro. Corpos se encontram a qualquer hora, em qualquer lugar, em nome do que se diz prazer, sexo, aventura, uma noite a mais. Pode ser de dia também, nas tardes furtivas durante o trabalho, na hora do cafezinho, nos almoços – sobras dos dias agitados - quando então, corpos se encontram e gozam a plenitude falseada de serem apenas corpos – carne, osso e pescoço.
Falo dessas diferenças e da importância que vejo nas almas porque me vem a idéia de que o amor , esse sentimento belo e traiçoeiro, está aí a nos pregar peças todos os dias. Penso em quantas vezes já ouvi pessoas dizendo que não necessitam ser amadas para serem felizes, que o sentimento que trazem no peito é suficiente para os dois. Ledo engano. Ninguém é completamente feliz amando sozinho. O amor – ao contrário do que se imagina - é fardo pesado para se carregar, por isso tem que ser sentido pelos dois, pois assim será dividido e, ao mesmo tempo, somado para se multiplicar em atos de afeto, ternura, aconchego, completude. Se um não ama, adeus relacionamento. E não vale a pena tentar, antes que me perguntem.
Podem me chamar de louca mais uma vez, diferença alguma irá fazer. Sempre se pensa que temos que tentar. Quem quiser, que o faça. Eu, entretanto já percebi e quero que meu leitor reflita sobre: amar sozinho é entregar o corpo a outro corpo em cujas almas não acontece o mesmo encantamento. Sem esse enlace, esses corpos não ficarão muito tempo aninhados. São como pássaros cujas asas são o que chamo de alma. Não são necessárias as asas para o voo mais pleno¿ Boas asas, leves, funcionais¿ Então! Pássaros que voam juntos têm cada qual suas asas, não as juntam, voam lado a lado porque querem assim fazer, e podem ser felizes porque estão juntos, compartilhando o mesmo azul, sobretudo não é possível que se voe alto e firme com as asas emprestadas.
Assim eu vejo – com tristeza - o sentimento de quem ama só e acha que tem amor o suficiente para os dois. Pássaro com asas multicores que cisma em carregar o outro. Um dia, este descobre que há um pouco mais de azul lá do outro lado e voa só. Voa só e reconhece outros universos. Voa só e se encontra e se descobre apto para voar sem o empréstimo de nada e de ninguém, às vezes voa só e logo acha outro pássaro com plumagens diferentes, por quem se toma de ternura e sai em busca de outros ares. Não havia enlace.
Muitos casais ficam juntos porque um ama demais e o outro, por pena, conforto, bons sentimentos, desejo até – e por que não¿ - fica ali com as asas guardadas, quando não mutiladas por vontade. Até que um dia a nossa metade se vai, porque quase nada nessa vida fica. Sobra o outro de corpo e alma, sofrido, esmagado diante das verdades que as vivências proporcionam. Pássaro que levou pedrada, bem nas asas, ficou sem alma e até que essa se reconstitua, leva tempo.
Se percebes que teu amor é uma via única, foge. Não adianta tentar acreditar na mentira que foi construída pelo sentimento pleno que te domina e que é belo, claro que é, e verdadeiro, lógico que sim, mas solitário. Foge, ainda que com dor, para que o sofrimento não seja mais forte ainda com o tempo. Esquece os planos – um dia ele (ou ela) vai me amar. Eu vou continuar lutando, sou forte e tal. Esquece. Deixa de lado e vai voar em outra direção. Pode ser que eu esteja enganada, não nego, mas sejamos práticos: abre a porta dessa gaiola para o teu bem e do outro também porque por mais que os corpos se entendam, se não houver o enlace, que vem somente da alma, nada se completará e ninguém quer viver uma vida toda fazendo planos só, não é¿
Essa porta aberta será tua esperança. Se o pássaro voltar, era teu e no amor, só valem mesmo todas as penas quando há esse enlace. Bons voos daqui para a frente até porque quem anda para trás é caranguejo! E, afinal, como escreveu Blaise Pascal, “De que serve ao homem conquistar o mundo inteiro se perder a alma ?”

Boa semana.

Roseli Broering

16 de março de 2009

A tentação das tentações!


É assim. De repente acontece. Você está diante do computador porque precisa digitar mil provas e resumos ou escrever as resenhas que lhe pediram, ou apenas para pesquisar no WWW.citador.pt , uma frase legal para ser a epígrafe do teu trabalho já pronto e, durante, no meio disso tudo, você abre a página inicial de seu provedor e vem aquela avalanche de informações. Você sabe que não pode. Não é hora de perder o foco nem de saber do BBB ou da nova novela das seis, mas aquele acidente na Avenida Paulista foi mesmo feio. Eram quantos... quinzes carros? E aquela menininha de onze anos que engravidou do padrasto, sofreu um aborto legal e teve que ser internada numa clínica psicológica para reaprender a viver, enquanto seus médicos estavam sendo excomungados pelo Papa. Horrores do dia-a-dia, ingestão de medo e insegurança aliados, talvez, à falta de tempo que virou, arbitrariamente, moda do dito mundo moderno.
E você que está ali, e que, inocentemente ou não, faz parte desse universo abre sua caixa postal e dá de cara com um e-mail que diz: parabéns, hoje é o dia do consumidor! Seu queixo cai, sua boca se abre, você quer soltar um berro daqueles bem escandalosos porque era mesmo só o que faltava. Todos os dias, você pensa, já são dias do consumidor. Das necessidades às superficialidades, consumimos sempre. É como nascer filho, sempre se é de alguém. Consumidores somos de tudo, o tempo todo e, numa época como essa, em que temos visto salários reduzidos, demissões em massa, crise para todo o lado, vamos aceitar essas felicitações? Ora, me poupem!!!!
Ah, que bom seria ser hipócrita nesse momento e sair por aí com um belo cartão de crédito consumindo. Sapatos, rasteirinhas, bolsas, vestidinhos adoráveis, a nova moda outono-inverno com todas as suas tendências em cores e sabores, aquele colar maravilhoso de bolas com os brincos, livros e mais livros de comunicação e poesia, um carro zero com aquele cheirinho delicioso, ah, que delícia consumir e ainda, de quebra, depois, ir num restaurante bem legal e comer aquela comidinha só para não ter que lavar a louça depois de chegar em casa cansada de tantas compras. É uma malhação séria sair por aí gastando. Hummmmm, seria bom, certo?
Pois são em momentos como estes que temos que parar e analisar todo o lixo que nos é lançado por onde quer que passemos. Nos jornais, na TV, na rua através de homens-propaganda, nos cartazes de promoções, nos outdoors, na internet onde havíamos entrado só para pesquisar uma citaçãozinha para iniciar aquele artigo. A vida está perigosa. Em momentos de crise, melhor dobrar a concentração e o trabalho e gastar menos para ver o depois como é que vai ficar. No entanto, infelizmente, a grande maioria da população não pensa assim e aceita os parabéns por mais este dia, o mais comercial de todos, enfim. E sai gastando os fundilhos para ficar devendo ao banco até as cuecas que usa.
É nessas horas que eu penso o porque de ensinar às pessoas desde pequenas a importância da leitura. Quando se lê muito, quando se lê de verdade, logo sacamos o que é bom e o que não presta, sabemos separar o “joio do trigo” (para usar aqui uma sabedoria a mais,) e não caímos em certas ciladas, ou melhor, tentações. Desde o conhecimento de gibis, revistas, jornais aos livros mais importantes de nossas vidas, a leitura sim é que nos salva, pois além de nos proporcionar o poder de viajar a mundos que nem conhecemos sem sair do lugar – e portanto sem gastar nada – ainda nos faz tornarmo-nos seres melhores perante a terra que habitamos. Que mais alguém pode querer além de um universo interior rico? Vamos pensar nisso e não permitir que nos dominem. “A vida é vasta, ter é tardar”, já disse Fernando Pessoa. Tenhamos, vida e sabedoria, pero “sin perder la ternura (e La cabeza) jamas”.

14 de março de 2009

Mulheres possíveis



O texto que vai a seguir, não é meu. No entanto, gostaria que fosse porque diz muito sobre nós, mulheres, esses seres estranhos, incompreensíveis, adoráveis...

MULHERES POSSÍVEIS

‘Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes.
Sou a Miss Imperfeita, muito prazer.
Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado três vezes por semana, decido o cardápio das refeições, levo os filhos no colégio e busco, almoço com eles, estudo com eles, telefono para minha mãe todas as noites, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos, participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova toda semana - e as unhas!
E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workaholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO.
Culpa por nada, aliás.
Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero.
Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros.
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Você não é Nossa Senhora.
Você é, humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante.
Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável.
É ter tempo.
Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.
Tempo para sumir dois dias com seu amor.
Três dias.
Cinco dias!
Tempo para uma massagem.
Tempo para ver a novela.
Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.
Tempo para fazer um trabalho voluntário.
Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para conhecer outras pessoas.
Voltar a estudar.
Para engravidar.
Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será que se destina?
Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada.
Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.
Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si.
Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo!
Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente.
Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir.
Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.
Desacelerar tem um custo.
Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.
E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante’.

Martha Medeiros é uma jornalista e escritora brasileira. É colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre, e de O Globo, do Rio de Janeiro.