20 de abril de 2008

“Velhos tempos, belos dias”

“A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim...” Sim, a música é antiga. Se fossem pesquisar, veriam que é da década de setenta, do século XX (Eu acho...). Deus, como parece distante. Nossa Senhora, como está pertinho agora, diante de mim. 31 anos. Neste ano faz trinta e um anos que fui ao show do Ronie Von, no ginásio do SESC – lotadasso de adolescentes como eu, gritando histéricas pelo ídolo. Eu não estava assim excitada. Mal falava diante de tantas surpresas. Lembro que só olhava. E ouvia. Atentava para tentar compreender o que ocorria ali. Ele usava uma camisa de cetim branca, um cravo vermelho na lapela do paletó que tirou ante os gritos da galera. Momento mágico foi aquele. Mágico porque eu estava lá e nem sabia que estaria. Minhas amigas, com mais posse, compraram ingressos com antecedência enquanto o meu chegou às minhas mãos uma hora antes, pelas mãos de meu irmão, que os ganhara e resolveu levar a mim, já que o pai da namorada não permitira. Sorte a minha.
Nem vi minhas amigas. Elas foram mais cedo, pegaram os melhores lugares. Eu fiquei bem longe mas para mim era indiferente: eu estava ali, ouvia aquele barulho forte, que mexia com meus nervos e via aquele artista de carne, osso e pescoço no mesmo espaço que eu, cantando, me deslumbrando. Como eram lindos seus dentes, seu sorriso, tudo à sua volta. Como eu via encantador o mundo daquela gente toda, vivendo aqueles momentos, como eu me via ali, tão abstraída de minha própria vida pois aquela, com certeza, era uma vivência que eu jamais vira ou imaginara. Quando ele cantou “Love me Tander” em homenagem ao Elvis que havia sido assassinado há um mês, eu chorei. Ele também. E fomos todos naquela hora, a platéia inteira junto dele e do morto, um só.
De infância pobre, um ingresso como esses só ganhado mesmo. Também foi assim quando fui ao teatro pela primeira vez. Também eram assim as roupas que eu usava: a maioria delas, ganhava da prima que crescia mais do que eu e tinha até TV em casa. (Um dia ainda vou escrever sobre a experiência de ter visto a Pantera Cor-de- Rosa colorida pela primeira vez!) Maçã eu comia quando ia com minha mãe à cidade - era como ela chamava o centro de Florianópolis - e tinha que escolher entre a verde e a vermelha. Escolha complicada. Eu gostava tanto das duas. Maionese na minha casa, só aos domingos. Sobremesa também. O lanche que eu levava para a escola, era pão feito em casa com o que tivesse. No meu aniversário era legal: eu ganhava dinheiro para comprar no barzinho uma pepsi de garrafa. Dúvida cruel: eu também gostava de mirinda. Acompanhava esse refrigerante uma pipoca e a doce era a minha preferida embora o cheiro da salgada jamais tenha saído de minha memória.
A boneca da vez era a Susi. O sonho de ganhar uma era acalentado a cada Natal. Um dia ela chegou. Fora de uma prima distante, que possuía muitas e não lhe faria falta aquela que a mãe dela, minha madrinha, me deu de tanto que a segurei quando os fomos visitar em Joinville. Filha de costureira, aprendi a fazer roupas lindas para a minha Susi. Vestidos de noiva eram os meus preferidos, com véus longos que eu prendia na cabeça dela com alfinetes surrupiados de minha mãe. E pequenas flores que eu mesma fazia, com minhas mãozinhas magras. Sobrevivi a tantos quereres sem dor e não guardo trauma por não ter tido muitos bens que outras crianças de minha idade tiveram. Nas minhas recordações, há muitas presenças alegres, bem mais do que tristes, podem apostar.
Hoje me vejo mais velha. Meus filhos cresceram num mundo mais fácil para se viver. Sempre tiveram o que lhes pude oferecer – nada muito valioso, nada paupérrimo também e tudo o que lhes dei foi a custa de muito trabalho. Conhecem teatro, freqüentam cinema, nunca lhes faltaram livros – objeto de decoração na estante da minha casa em criança, e raros! A mais velha quis ser bailarina, o do meio aprendeu um pouco de judô, ambos gostaram por um tempo de música e aprenderam a tocar piano e teclado. O mais jovem faz inglês e passa horas diante de um computador “vivendo” um ambiente esquisito, tão diferente do que foi o meu.
Entendo que são felizes no mundo deles e que a tecnologia vem se desenvolvendo para ajudar o homem a ser mais independente, porém sempre me pergunto: o que será dos meus netos neste mundo individualista e frio das telas dos computadores, dos homens mais calculistas, competitivos?
Pulo aqui as fases tantas que foram vividas em 31 anos. Não é plausível para uma crônica listar assuntos tão variados mas, quero lançar um questionamento simples: será que nossos adolescentes e crianças lembrarão 31 anos depois do primeiro show que foram, do que sentiram, do que choraram? Será que lembrarão de algum brinquedo especial nesse lugar de vivências em que tudo quebra em dois dias e onde tudo perde a graça tão depressa? Na era do Enter e do Del, de que recordarão meus netos? Jovem eu escrevia em cadernos minhas primeiras poesias e as tenho até hoje, lutando anos contra baratas, fungos, traças, mudanças. Pobres cadernos furados que guardam minhas palavras e pensamentos. Fedem a tempo, dizem os mais tenros. Cheiram saudade, afirmo com certa meiguice. Hoje ainda registro em papel escrito as maluquices que escrevo. É minha letra, gente! Minha caligrafia faz parte da história da minha vida.
O computador é traiçoeiro. Os vírus matam os textos e as construções de cada ser e, pior: os mais jovens não dão bola. Faz-se outro, compra-se outro, esquece-se. É a vida! Eu discordo. A vida é o que se registra e se guarda para provarmos que existimos, que passamos por aqui. A vida é composta por retratos em papel, por folhas e canetas, por elementos simples que estão sendo deixados de lado em prol do que chamam modernidade. 31 anos depois do Ronie Von e da morte de Elvis, “eu me lembro com saudade o tempo que passou, tempo que passou depressa mas em mim deixou, jovens tardes de domingo, tantas alegrias, velhos tempos, belos dias...”.
É lógico que não posso mais voltar àquela praça. Ali existe hoje um prédio. É óbvio que não vou obstruir o progresso em nome de meu saudosismo. É claro que não pretendo envelhecer numa cadeira de balanço sofrendo pelo que mudou, mas uma coisa quero: que as pessoas valorizem mais o ser do que o ter, que um beijo seja mais importante do que um jogo novo, que um livro seja mais interessante do que um resumo pego na Internet no domingo à noite para a prova de segunda.
Não resumam suas vidas. Cantem mais as boas músicas, pesquisem mais, conheçam a história de seus pais, conversem com os mais velhos, utilizem mais canetas do que CDs, montem álbuns com fotografias - não no orkut – sejam mais gente do que robôs e um dia, espero, nos encontrarmos para lembrar deste tempo, o de agora, em que nossas vidas, através dessa crônica se cruzaram e tocaram seus corações. “A gente vai crescendo, vai crescendo e o tempo passa e nunca esquece a felicidade que encontrou. Eu sempre vou lembrar daquele banco lá da praça...” Por onde andará o Ronie Von? Se alguém souber, comente!

8 comentários:

Unknown disse...

Rose e suas histórias né. hahaha
quem sabe um dia eu escreva um texto desse, contanto as minhas histórias de shows e gritando histéricamente. hahaha

beijão Rose

Tatiana Russo de Campos - Escritora disse...

Oi Rose! rs... Eu vou lhe responder onde está o Ronie Von: num programa noturno da tv gazeta, se não me engano. O programa é legal, eu às vezes assisto. É ao estilo daqueles em que vai convidados para conversar, mostra receitas tbém, etc.

Anônimo disse...

Nossa, essa musica é muito velha, mais se eu te conta que a minha mae cantava essa musica pra mim dormi quando eu era bebe, e que eu canto hj pq meu irmao dormi que tem 3 anos. Eu seei essa musica do comeco ao fim, o meu irmao de 3 anos sabe o refrão. Ameeeeei essa cronica.

beeeijos

Anônimo disse...

Nossa, ficou lindo mesmo.Adoreei.
Vou parar para ler ok?
Sim, o amor, aai o amor.
hehe

Beijocas e bom final de feriado pra você.

Anônimo disse...

Roseli! Que lembranças... Tenho as mesmas preocupações. Medo de, daqui a uns anos, não lembrar da minha infância, como lembro hoje. Já estou com saudades, Rose! Até amanhã!

Beijos!

Milena Gouvêa disse...

Lili.
É impressionante como você consegue transmitir tanta sensibilidade por meio de palavras. Viajar por esta sua crônica só me fez te admirar ainda mais, e sentir junto contigo as alegrias da tua infância.
Eu também vivi um tempo em que as sensações eram valorizadas. Tenho lembranças muito doces de muitas coisas. Quando o computador "chegou" na minha vida, eu tinha uns 11 anos e posso dizer com certeza que ele não fez nenhuma mudança significativa no curso das coisas. Ficou ali como espectador, e só.
Acho que as crianças que virão tendem a tornarem-se cada vez mais individualistas, egoístas e sozinhos. Eu mesma, me pego muito sozinha nesse mundo tecnológico. Nada substitui um cheirinho de infância, uma lembrança gostosa de algo simples, mas que pra nós era um grande tesouro :)

Adorei o blog novo, ficou lindo! Virei sempre!

Muitos beijos e uma ótima semana!

Anônimo disse...

Oi amiga!
Realmente os tempos mudaram e os valores também. Ahhh! Doces lembranças da infância, que coisa boa...Adorei seu texto, muito.
Parabéns!!!!!
Também adoro escrever, vejo que temos muito em comum mesmo, daí as explicações "atuais"...hehehehehhehe
Beijão!

Anônimo disse...

Ai mana... parei meu serviço pra ler mas não posso fazer mais isso... imagina... minha chefe entra aqui na minha sala pra falar comigo e eu estou aqui, em frente a tela, concentrada mas não no trabalho e chorando... imagina minha cara! tive q dizer pra ela q estava lendo uma crônica tua e agora vou ter q mandar pra ela ler tbém rsrsrsrsrs... estão lindas como sempre...

Muitos beijos
TE AMO!