14 de agosto de 2010

Permanência


(Permanecer: demorar-se; ficar. Continuar a ser, conservar-se. Continuar existindo, perdurar, persistir)

Foi numa noite da primavera de 2002, novembro. 13. O li e fiquei extasiada, tanto que anotei no livro – “como ficar indiferente a um poema assim¿”
Hoje reabro o livro e a mesma sensação de beleza me toma. Quase oito anos se passaram desde a primeira leitura e, é claro, não sou a mesma daquele tempo. Entretanto, algo ficou em mim daquela que fui. Se assim não o fosse, que motivo teria eu para escrever hoje¿
Fica o texto, não para ser interpretado. Como disse Quintana, “o poema já é uma interpretação.”

XII
Vou indo, caudalosa
Recortando de mim
Inúmeras palavras.
Vou indo, recortando
Alguns textos antigos
Onde a faca finíssima
Sublinhava
As legendas políticas
E um punhal incisivo
Apunhalava
Um corpo amolecido
O olho aberto, uma bota
Pontiaguda
entrando no teu peito.
Os meus olhos te olhavam
Como de certo o Cristo
Te olhou, piedade
Compaixão infinita
Ah, meu amigo
Que límpida paixão
Que divina vontade
Fervor feito de lava
Fogo sobre a tua fronte
Tanto amor
E não te deram nada.
Deram-te sim
Ferocidade, grito
E sobre o corpo
Chagas
E mãos enormes, garras
Te levando o rosto
E inúmeras palavras
Tão inúteis na noite.
Diziam que adolescência
Moldou a tua idéia
Que eras como um menino
De encantada imprudência
Loucura caminhares
Na trilha da floresta
Sem luminosa armadura.
Mas eu, poeta, vou indo
Caudalosa
Recortando as palavras
Tão inúteis
E os meus olhos de treva
Vão te olhando
E te guardo no peito
Intenso, aberto
Colado a mim
Homem-Amor
Inteiro permanência
No todo despedaçado
Do poeta.
(Hilda Hilst)

Roseli. 14 de agosto de 2010

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