Oportunidades.
Tudo aconteceu quando eu estava lendo no computador, essa máquina maravilhosa e maldita, para os planejamentos da minha semana. Planejar os sete dias vindouros pode significar muitas coisas: as aulas, um possível encontro com alguém de quem eu goste, um novo emprego, o que vai sobrar de tempo para relaxar, ler ou até ir à praia. Planejar é um verbo bonito, mas que na prática, nem sempre funciona. O ser humano é assim, vive fazendo planos e muitas vezes não se dá conta que na grande maioria das vezes, quem age mesmo é o acaso, que se chama destino também ou sei lá o quê, só que vem de repente e surpreende-nos. Comigo é assim. E foi também assim que me veio a idéia de uma nova crônica. Não que falasse sobre planos, mas sobre as almas e os corpos que, sem planejar, se encontram e desencontram na vida.
Estava nessa quando li a frase de Victor Hugo: “A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace.” As almas têm o enlace. É isso. E pronto. Ou há ou não há. Enlace é palavra mais bela que encontro. Corpos se encontram a qualquer hora, em qualquer lugar, em nome do que se diz prazer, sexo, aventura, uma noite a mais. Pode ser de dia também, nas tardes furtivas durante o trabalho, na hora do cafezinho, nos almoços – sobras dos dias agitados - quando então, corpos se encontram e gozam a plenitude falseada de serem apenas corpos – carne, osso e pescoço.
Falo dessas diferenças e da importância que vejo nas almas porque me vem a idéia de que o amor , esse sentimento belo e traiçoeiro, está aí a nos pregar peças todos os dias. Penso em quantas vezes já ouvi pessoas dizendo que não necessitam ser amadas para serem felizes, que o sentimento que trazem no peito é suficiente para os dois. Ledo engano. Ninguém é completamente feliz amando sozinho. O amor – ao contrário do que se imagina - é fardo pesado para se carregar, por isso tem que ser sentido pelos dois, pois assim será dividido e, ao mesmo tempo, somado para se multiplicar em atos de afeto, ternura, aconchego, completude. Se um não ama, adeus relacionamento. E não vale a pena tentar, antes que me perguntem.
Podem me chamar de louca mais uma vez, diferença alguma irá fazer. Sempre se pensa que temos que tentar. Quem quiser, que o faça. Eu, entretanto já percebi e quero que meu leitor reflita sobre: amar sozinho é entregar o corpo a outro corpo em cujas almas não acontece o mesmo encantamento. Sem esse enlace, esses corpos não ficarão muito tempo aninhados. São como pássaros cujas asas são o que chamo de alma. Não são necessárias as asas para o voo mais pleno¿ Boas asas, leves, funcionais¿ Então! Pássaros que voam juntos têm cada qual suas asas, não as juntam, voam lado a lado porque querem assim fazer, e podem ser felizes porque estão juntos, compartilhando o mesmo azul, sobretudo não é possível que se voe alto e firme com as asas emprestadas.
Assim eu vejo – com tristeza - o sentimento de quem ama só e acha que tem amor o suficiente para os dois. Pássaro com asas multicores que cisma em carregar o outro. Um dia, este descobre que há um pouco mais de azul lá do outro lado e voa só. Voa só e reconhece outros universos. Voa só e se encontra e se descobre apto para voar sem o empréstimo de nada e de ninguém, às vezes voa só e logo acha outro pássaro com plumagens diferentes, por quem se toma de ternura e sai em busca de outros ares. Não havia enlace.
Muitos casais ficam juntos porque um ama demais e o outro, por pena, conforto, bons sentimentos, desejo até – e por que não¿ - fica ali com as asas guardadas, quando não mutiladas por vontade. Até que um dia a nossa metade se vai, porque quase nada nessa vida fica. Sobra o outro de corpo e alma, sofrido, esmagado diante das verdades que as vivências proporcionam. Pássaro que levou pedrada, bem nas asas, ficou sem alma e até que essa se reconstitua, leva tempo.
Se percebes que teu amor é uma via única, foge. Não adianta tentar acreditar na mentira que foi construída pelo sentimento pleno que te domina e que é belo, claro que é, e verdadeiro, lógico que sim, mas solitário. Foge, ainda que com dor, para que o sofrimento não seja mais forte ainda com o tempo. Esquece os planos – um dia ele (ou ela) vai me amar. Eu vou continuar lutando, sou forte e tal. Esquece. Deixa de lado e vai voar em outra direção. Pode ser que eu esteja enganada, não nego, mas sejamos práticos: abre a porta dessa gaiola para o teu bem e do outro também porque por mais que os corpos se entendam, se não houver o enlace, que vem somente da alma, nada se completará e ninguém quer viver uma vida toda fazendo planos só, não é¿
Essa porta aberta será tua esperança. Se o pássaro voltar, era teu e no amor, só valem mesmo todas as penas quando há esse enlace. Bons voos daqui para a frente até porque quem anda para trás é caranguejo! E, afinal, como escreveu Blaise Pascal, “De que serve ao homem conquistar o mundo inteiro se perder a alma ?”
Boa semana.
Roseli Broering