25 de novembro de 2008

“A grande dor das coisas que passaram”

Escrever em momentos em que sentimos dor pode ser uma grande fonte catártica. Em outras palavras, pode ser “soltar os bichos”, mandar para fora o que é ruim, expulsar demônios ou, uma simples necessidade.
É assim para quem tem dentro de si a inquilina de todos os intervalos: a palavra. Escrever para lembrar ou para esquecer, pouco importa. Creio que se assim não fosse, não existiria a literatura, não haveríamos de ter os imortais que nos livros deixaram seus sentimentos ou maiores ficções compondo a história de tantos seres de papel com os quais contracenamos por aí, nas leituras.
Quando um relacionamento termina, por exemplo, escreve-se. Dos poemas mais ultrapassados às cartas que jamais chegam ao destinatário. Nos guardanapos daquele restaurante em que íamos juntos ou na areia da praia, na janela embaçada dos dias de chuva que não cessam porque a alma está chorando. Com a chegada da Internet, os e-mails servem para dar vazão à palavras de saudade, de consolo, força, às vezes até de raiva. Nos orkuts, vê-se o perfil através da frase escolhida para o dia ou no ícone “relacionamento”. As fotografias do casal desaparecem em questão de um clik e ,dessa forma, mostra-se a uma boa parte do mundo, publicamente, que aqueles dois que até ontem se amavam e expunham as mais belas cenas, separaram-se. O amor acabou.
Um álbum de fotografias, quer seja real ou virtual, é composto somente de momentos bons. É por isso que choramos diante das imagens ali lacradas. Beijos, abraços, sorrisos, desprendimento, caretas bem humoradas, tudo estava ali guardado. Como o próprio nome diz, um álbum de r e c o r d a ç õ e s. É isso: serve para que recordemos aquilo que não poderá ser mais vivido. Uma fotografia é a prova de que existimos, de que fomos alguém por algum tempo. Nos namoros ou casamentos – e aqui não vejo mais diferença – duas pessoas foram ou trocaram uma mesma vida por um período e quando acaba é que sentimos, como disse Camões “a grande dor das coisas que passaram.” Ninguém fotografa momentos ruins. Ninguém coloca a câmera no timer automático para retratar a raiva que perpassa as pessoas na hora do desentendimento. Não fotografamos separações, lágrimas, corações acelerados, medos, arrependimentos, perda de sono, perda de ânimo – o mesmo que perder um pedacinho da alma.
Ocorre que um relacionamento para sobreviver necessita dos bons e maus instantes, pois deles é constituído. Uma hora ruim aqui é substituída por outras boas ali e assim se vai construindo uma história entre dois seres que mantém muitos sentimentos em comum, que sorriem bastante para o mundo o que choram juntos por ele, que sonham um futuro no qual nem podem apostar – pois até que provem o contrário, nem mesmo o presente existe. Tudo é apenas passado. Pronto. Ou ponto. Mas disso tudo é feita uma vida que, num momento ou noutro, por um motivo terrível ou até sem motivo algum, pode acabar. De repente, ele quer badalar mais, ela quer mais tranqüilidade, ela vai viajar para Portugal para um curso de férias, ele ainda não acabou a faculdade e nessa hora, por um motivo às vezes até banal, acaba. E é para sempre.
Ficaram as fotografias e alguém precisa cuidar delas e olhá-las para não mofarem na gaveta do esquecimento. No começo, são mais vistas (ou choradas) . Com o tempo, até esquecidas, quem sabe, ficarão. Um álbum de fotografias é um documento do luto que precisa também ser experienciado. O fim de um relacionamento é uma morte e como tal requer seu tempo de choro, de sangramento, de adaptações até que a vida mesmo, essa que um dia os aproximou e noutro os separou possa agir de sua forma – desconhecida por nós, mortais – e preparar para essas pessoas outras surpresas, afinal, no quesito amor, todos os seres são iguais.
Cuidemos de nossas fotografias e também de nossas memórias. Elas contarão a história num outro tempo não mais nosso. Podemos até deletar nosso ex-amor do orkut, MSN, fotolog, endereço eletrônico ou sermos apagados ou bloqueados por ele. Podemos nos mudar para a Argentina ou ir chorar no convento de Angelina, podemos tudo o que quisermos. O que não nos é de direito é crer que o mundo acabou e brincar com a saúde, por exemplo. Precisamos voltar a viver, tornarmo-nos outra vez amplos, leves, livres como fomos enviados a este mundo para, então, quem sabe até, encontrarmos uma outra pessoa e começar uma nova história que, como as águas de um rio que não passam duas vezes por baixo da ponte, estejamos e sejamos seres sempre em movimento, prontos e dispostos à renovação.


Roseli Broering

13 comentários:

Anônimo disse...

nem preciso dizer que ficou ótima, né?!
haahhahah
senti que a vida já está mudando, boooa sorte!
"...Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure."
hahahahahha, beijão, até sexta!

Anônimo disse...

Como sempre, adorei seu texto, Rose. Eu bem sei o que é isso. Estou passando por isso, agora. Me recuperando, dando uma nova chance à vida, ao amor. Ainda não apaixonada, ainda um pouco apreensiva, mas sem medo de tentar. Sem medo de sofrer. Ninguém pode nos livrar das mágoas, pois elas existem para nos ensinar algo, correto? Aprendi e estou ponto em prática.
Adorei demais esse texto. Um dos seus melhores.
Beijos, Rose

Anônimo disse...

Ai professora, tu dominas as palavras de um jeito maravilhoso!
Acho que conheci um pouco essa história... Nada usado como inspiração? ;x
Ta lindo!

BEIJO

Unknown disse...

Preciso comentar?É até dificil achar uma palavra ao alcance de seu texto, eu simplismente amei!
muito lindo.
Beijos...
monique

Anônimo disse...

Diga-me: O que fazes que nao fique perfeito?

é como se eu tivesse um flashback.. vivi tantas vezes esta historia que meus albuns estao manchados com tantas lagrimas pingadas. Mas no fundo sabemos que a dor é inevitavel, e o sofrimento opcional.

exatamente como dizes, e tao igual ao nosso amigo Lulu Santos: Ainda vai levar um tempo para fechar o que feriu por dentro..

Mas espera que o sol ja vem!

...

Diva, estas de parabens! Que linda a cronica.. maravilhosa.. sou ainda mais tua fa!

e quando passar essa tempestade, creio que nosso encontro ainda esta de pe.. Saudade dessa minha amiga, e do teu abraco de mae..

Te adoro por demais..

Um beijo grande.

Unknown disse...

Mania feia essa nossa de querer apagar bons momentos, né? Como se eles nunca tivessem acontecido e fosse possível esquecer...
Mas "o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será", não é mesmo? hehe


Lindo texto, Rose.
Beijinhos e saudades!

Anônimo disse...

Uma ótima redatora hein?! Eu amei o seu texto, senti cada palavra dentro de mim. E, vou lhe dizer, que sou um pouco desacreditada no amor. O meu anda me chateando...

Obrigada pelo conforto que encontrei em seu texto, assim, como outros devem encontrar também.

Um beijo querida :*

Anônimo disse...

Professora, adorei seu texto. Assim como todos que comentaram já disseram, me identifiquei muito com ele, do começo ao fim.
Dói perder, mas um dia passa e nem nos importamos mais com aquilo, às vezes até rimos do que aconteceu. Bom, pelo menos comigo é assim, fico rindo e acho que tudo não passou de uma tremenda besteira e ilusão.
Me avise sempre que postares algo novo, adoro ler o que você escreve. Beijos!

Rita de Cássia disse...

Como sempre, maravilhoso.
O amor é isso, como dizia Vinícius de Moraes
“O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar

Roseli disse...

Obrigada a todos os que comentaram. Rita, minha amiga, eu não conhecia esse poema. Maravilhoso! Obrigada mesmo aos visitantes, conhecidos ou desconhecidos. Só se faz literatura a partir de leitores!

Sila Rosa disse...

Poxa, li seu texto em tempo certo. E para mim, tem uma frase vaga em meu pensamento: "a tecnologia...", por isso não abro mão da minha câmera automática de filme, e continuo me arrependendo horrores de ter excluído aquele último fotolog. E engraçado você falar em literatura e diários, talvez o meio e pessoas que tenho falado freqüentemente, fez-me relembrar Ana C. um beijo.

Tatiana Russo de Campos - Escritora disse...

É, como diz o Quintana, mas aqui eu readapto e dou outro sentido "Eles passarão", eu "Passarinho"... Um passarinho tem que ser livre para voar, embora precise de algum outro para cantar junto... mas o passarinho é... o meu "passarinho", nosso "passarinho" é meio Fernão Capelo Gaivota. Quem manda a gente voar alto, para onde aves comuns não ousam nem imaginar poder ir? Voamos, e nos despedaçamos. Mas sabemos a dor e a alegria do vôo. Solitário vôo. Povoado de "eus".
beijos,
Tati
Tenho as fotos de antigos momentos, de relacionamentos antigos... foda esta palavra, antigos... uns ficam tão distantes mesmo.

Roseli disse...

Agradeço a todos os que passaram por aqui e leram minhas palavras. Essa crônica , de todas as que já escrevi, é a que mais gosto pois veio do fundo da alma. Palavras que estavam, como o grande amor, no meu lado bom, o de dentro. Beijos a todos!